2.666 dias de Nassau Há 380 anos se iniciava a gestão colonial do conde alemão que virou símbolo de uma era idealizada até hoje pelos pernambucanos

Alice de Souza | Anamaria Nascimento
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Publicação: 10/06/2017 03:00

“Um belo país que não tem igual sob o céu.” Essa teria sido a primeira frase de Maurício de Nassau ao desembarcar em território brasileiro. Uma história de amor à primeira vista. Há 380 anos, Nassau chegava ao Recife para governar o Brasil Holandês. Apesar de ter vindo como representante da Companhia das Índias Ocidentais, era um alemão protestante. Um político que estabeleceu alianças com a aristocracia açucareira, um gestor que deixou um legado urbanístico ainda presente, e um colonizador que falhou em sua principal missão: gerar lucros a partir das terras conquistadas.

Ainda hoje, muitos pernambucanos mantêm uma paixão platônica pelos holandeses e acreditam que o estado viveria dias melhores se não tivessem sido expulsos. Ilusão, dizem especialistas ouvidos pelo Diario. “Nassau ajudou a criar um grande mito, uma memória de que aquilo seria bom. Mas as possessões holandesas hoje não estão bem”, diz o arquiteto e urbanista José Luiz de Menezes. “A colonização portuguesa ainda foi boa, foi o modelo que deu origem à expansão pela costa. O período de Nassau é o único que vale a pena na passagem holandesa”, completa.

O saudosismo encontra justificativa na lista de feitos do alemão. Entre 1637 e 1644, tempo pelo qual governou terras brasileiras, Nassau foi responsável por novidades e pioneirismos que orgulham os pernambucanos: decretou a liberdade de culto religioso; elaborou a primeira documentação da paisagem local; criou jardim botânico, zoológico e observatório astronômico; remodelou a cidade.

Dos prédios que compõem o centro histórico hoje, nenhum foi originalmente construído no período holandês. A herança aparece no traçados de ruas, na inspiração arquitetônica de prédios estreitos. Os imóveis da Rua do Imperador são um exemplo.

Foram 2.666 dias sob o comando de Nassau, responsável pela afetividade dos pernambucanos em relação aos holandeses, que ainda ficaram mais dez anos depois da saída do conde. A expulsão só aconteceu em 1654. Nassau chegou a comandar uma área de 1,5 mil quilômetros na costa brasileira, que ia de Sergipe ao Maranhão. De acordo com a a historiadora Eliane Nascimento, autora da tese Olinda: uma leitura histórica e psicanalítica da memória sobre a cidade, o colonizador escolheu o Recife como sede de seu governo por achar Olinda, pelas características topográficas, mais difícil para defesa e fortificação. “Destaca-se ainda o fato de o Recife ser cortado por rios e à beira-mar, algo muito mais próximo das características das terras e cidades holandesas”, pontua a pesquisadora da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

2 perguntas

José Luiz de Menezes // arquiteto e urbanista

Como podemos caracterizar a passagem dos holandeses pelo estado?
Tudo quanto existe de antigo, em toda parte, o pessoal diz que é do tempo dos holandeses, mas não é verdade. Naquela época, sequer existia Holanda, mas sim Países Baixos. Essas províncias criaram a Companhia das Índias Ocidentais. A passagem por Pernambuco pode ser dividida em três momentos: a primeira etapa foi de conquista e guerras. O ataque foi planejado antes de 1630, em busca do açúcar. Eles tomam Olinda e vêm ao Recife, onde se fixam. Entre 1630 e 1635, ocorre a guerrilha entre o Arraial do Bom Jesus e os holandeses. Com a vitória, começa a segunda etapa, de reorganização, com a contratação de um governador, Maurício de Nassau. É considerado o “Tempo da Boa Paz”, onde criou-se o mito. Era um governador de primeira, mas gastava os lucros da companhia fazendo investimentos locais. O contrato foi cancelado. Em seguida se dá um momento de fome e dificuldade, que termina no cerco do Recife.

Qual é a importância de Nassau no desenvolvimento do Recife?
Nassau era humanista, havia estudado em universidade e tinha noção de administração pública. Desenvolveu o Recife de 40 para 380 casas, na época algo extraordinário. Reativou engenhos, persuadiu outros senhores a produzir para os holandeses. Construiu dois palácios (das Torres, onde hoje fica a Praça da República, e da Boa Vista, no lugar do Convento do Carmo), uma igreja, um jardim, fez a povoação do Bairro de São José. Criou o IPTU, construiu duas pontes, pavimentou ruas, planejou a cidade pela primeira vez. Trouxe pintores. Gostava daqui. Se temos alguma imagem durante os anos de conquista, deve-se a ele. É justo comemorar Nassau e a cultura que ele deixou como testemunho, além da que internacionalizou.