Cidade Maurícia ainda presente nas ruas e nos museus Engana-se quem imagina que não restaram resquícios da Mauritsstad. Um dos exemplos é a ponte sobre a qual um boi "voou"

Publicação: 10/06/2017 03:00

Como um quebra-cabeça, pequenas peças espalhadas por museus do Recife remontam o período do domínio holandês em Pernambuco. Pontos turísticos da cidade também guardam memórias e patrimônios da época. Para quem quer reviver esse capítulo da história pernambucana, o roteiro pode começar pelo bairro de Santo Antônio. Quando Maurício de Nassau chegou à colônia recém-conquistada, criou, onde hoje é o bairro da área central, a Cidade Maurícia (Mauritsstad).

Foi onde ele mandou construir a Ponte Maurício de Nassau, então chamada de Ponte do Recife. De lá, a população viu um “boi voar”. Antes da inauguração da primeira ponte de grande porte do Brasil, o conde de Nassau divulgou amplamente que um boi voaria no local. O objetivo era ter um público grande e arrecadar dinheiro com a cobrança de pedágios visando amenizar o prejuízo no orçamento no projeto. No dia do evento, 28 de fevereiro de 1644, o administrador cumpriu com o que prometeu. Usando cordas e roldanas, fez um boi empalhado passar de um lado para o outro da ponte.

O tour pelo Recife de influência holandesa pode seguir até a Zona Norte da cidade. No Museu do Estado de Pernambuco, bairro das Graças, a exposição 355 anos do Tratado de Paz de Haia - em cartaz desde o ano passado, quando a data foi comemorada - retrata o fim dos conflitos entre o Portugal e os Países Baixos. “Além da paz celebrada, o acordo estabelecia a devolução da Nova Holanda (ou Brasil Holandês) ao reino de Portugal em face a uma indenização de oito milhões de florins, equivalente a 63 toneladas de ouro”, explica a apresentação da mostra. No museu, o visitante encontra quadros que retratam a época, restos de construções do Recife holandês e canhões trazidos de Amsterdã durante as batalhas com os portugueses.

De lá, o passeio pode seguir para o Instituto Ricardo Brennand, na Várzea, onde está o maior número de peças do período do domínio holandês. Na sala de exposição Frans Post estão 15 das 158 obras do artista, considerado, junto com Albert Eckhout, o mais relevante a serviço de Nassau. Ele chegou ao Brasil em 1637, aos 40 anos, e veio com o conde com o objetivo de montar uma grande coleção de desenhos com motivos brasileiros para mecenas europeus.

Ainda no instituto, é possível ver um documento original em pergaminho datado de Brademburgo 1676 e assinado por Maurício de Nassau. Uma reprodução da Nau Zuphen, embarcação que conduziu a comitiva do alemão a serviço dos Países Baixos a Pernambuco. Uma biblioteca sobre o Brasil holandês, com livros impressos na Holanda, Portugal, Inglaterra e Espanha, também pode ser vista no espaço cultural. A coleções foram organizadas por Bia Corrêa do Lago, autora de amplo estudo sobre Frans Post.

Moedas, cachimbos com a marca da Companhia das Índias Ocidentais e um globo terrestre original da época (além dele só há outros dois, na Holanda) também estão guardados no Recife. “Durante sete anos, Nassau governou o Nordeste e conseguiu disciplinar e pacificar a população da região, defender e ampliar os territórios conquistados e garantir a produção e comercialização do açúcar”, explica a apresentação da exposição.

Em maio de 1644, Nassau deixou o Recife, a cavalo, para a Paraíba. No dia 23, embarcou para a Holanda. Em 1647, foi chamado a governar o Brasil, mas exigiu plenos poderes, exército maior e melhor remuneração. A Companhia não concordou. Morreu em 1679.

A comitiva de Nassau

3 mil soldados
800 marinheiros
46 artistas

Planejamento urbano
A Cidade Maurícia, hoje bairro de Santo Antônio, foi a primeira com desenho planejado no Brasil, feito por Pieter Post, irmão do pintor Frans Post. Até então, os planos vinham de Portugal.

Astronomia
O primeiro observatório das Américas foi aberto no Recife, em 1638. O responsável pelo espaço, em um telhado da Ilha de Antônio Vaz, era o astrônomo alemão Georg Marcgrave.

IPTU
Foi da gestão de Nassau a criação do imposto. O Recife era a cidade com maior circulação de moedas no mundo.

Canais
O Recife já teve canais como os de Amsterdã, onde barcos faziam carga e descarga nas casas. Nassau aterrou o rio e fez três canais: do Pátio do Livramento à atual Rua das Calçadas; da região do atual Fórum Thomaz de Aquino ao Pátio do Livramento; e do Livramento ao Pátio do Carmo.

Passeio pelo Pernambuco holandês

1. Forte do Brum - Construído pelos portugueses em 1626 e finalizado com participação holandesa em 1630. Em 1987, foi inaugurado o Museu Militar.

2. Cais da Alfândega - Localizado às margens do Rio Capibaribe, funcionou desde a ocupação holandesa, ainda tendo passado por vários usos, como cooperativa e armazéns de produtos.

3. Praça da República - Sua origem remonta do período de Maurício de Nassau, lugar onde reunia equipe de cientistas, artistas e humanistas. Local concebido com o início do plantio de um parque natural para o Palácio de Friburgo.

4. Sítio da Trindade - Situado em Casa Amarela, foi um ponto de resistência dos portugueses à dominação holandesa, sendo possível, hoje, ver ruínas da antiga fortificação que existiu no local.

5. Praça de Casa Forte - Jardim público idealizado por Burle Marx em 1934, tem esse nome devido a um antigo engenho de mesmo nome, onde ocorreram lutas históricas entre holandeses e colonos.

6. Forte das Cinco Pontas - Construção holandesa datada do século 17 para proteger importantes cacimbas de água potável para a subsistência da população daquele tempo. Hoje, abriga o Museu da Cidade do Recife.

7. Monte dos Guararapes - Localizado próximo ao Aeroporto Internacional do Recife/Guararapes. Foi onde aconteceram as Batalhas dos Guararapes, que culminaram com a expulsão dos holandeses.

8. Sítio Histórico de Olinda - O diário de bordo do soldado Ambrósio Richshoffer detalha a destruição de Olinda. Ele relatou que “a 17 começou-se a demolição dos edifícios da cidade de Olinda de Pernambuco, transportando-se mais tarde para o povo o material aproveitável”.

9. Rua do Amparo e Rua 27 de Janeiro - Moradores da cidade contam que apenas duas casas não foram incendiadas pelos holandeses: uma na Rua do Amparo e outra na Rua 27 de Janeiro, esquina com a Praça da Preguiça. Não há, no entanto, uma descrição precisa de quantas casas ruíram e quantas restaram do incêndio de Olinda.

Fontes: José Luiz de Menezes, Unicap, Prefeitura do Recife, Diário de um Soldado (Ambrósio Richshoffer) e Fundaj

Linha do tempo

O Brasil Holandês

Primeira fase: A conquista

1630: Liderada por Diederik van Waerdenburch, uma esquadra com 70 embarcações chega em Olinda para uma nova tentativa de invadir o Brasil. A primeira ocorrera anos antes, na Bahia.

Segunda fase: paz
23 de janeiro de 1637: Enviado pela Companhia das Índias Ocidentais, o alemão Johann Moritz von Nassau-Siegen chega a Pernambuco com a missão de reorganizar o Brasil Holandês.

1638: Nassau tenta conquistar a Bahia, mas sai derrotado. 

1643: É construída a primeira ponte da América Latina.Um ano depois, Nassau manda construir a ponte Mauritstaad, em madeira, para auxiliar no acesso ao Palácio da Boa Vista e ao Porto do Recife.

1644: Por não garantir lucro à companhia e investir o dinheiro da empresa na urbanização e documentação do Recife, Nassau é dispensado do cargo.

Terceira fase: guerras
Junho de 1645: Uma insurreição popular liderada por André Vidal de Negreiros, João Fernandes Vieira, Felipe Camarão e Henrique Dias explode para expulsar os holandeses.

3 de Agosto de 1645: O exército holandês perde para os luso-brasileiros a Batalha das Tabocas, em Vitória de Santo Antão.

17 de Agosto de 1645: Os holandeses partiram para o Recife, acampando no engenho Casa Forte. Prenderam filhas, esposas e mães dos líderes da insurreição. Os luso-brasileiros foram até o engenho e atearam fogo.

Abril de 1648 a janeiro de 1654: Ao tentar conquistar o Cabo, os holandeses caem em uma emboscada no Monte dos Guararapes. O episódio é conhecido como a primeira Batalha dos Guararapes. Em fevereiro de 1649, ocorre a segunda batalha, com nova derrota holandesa. Em janeiro de 1654, os invasores são expulsos depois que o Recife é cercado por uma esquadra portuguesa. Eles levam mudas de cana para as Antilhas.

Cultura

Para saber mais sobre o Brasil Holandês

Filmes:

Doce Brasil Holandês (2010), de Monica Schmiedt
Duas historiadoras, a brasileira Kalina Vanderlei e a alemã Sabrina Van der Ley encontraram-se no Recife para investigar raízes e contradições do mito Nassau, definido por alguns como “melhor prefeito que a cidade já teve”.

O rochedo e a estrela (2007), de Katia Mesel
O documentário aborda a expansão do judaísmo durante o domínio holandês e mostra a luta de Nassau pela liberdade religiosa, o que permitiu a criação da primeira sinagoga das Américas, a Zur Israel.

Livros:

Viagem ao Brasil (1644-1654): O diário de um soldado dinamarquês a serviço da Companhia das Índias Ocidentais, de Peter Hansen Hajstrup
Editado pela Cepe, o livro tem como base o diário de um militar que lutou batalhas em Pernambuco.

O Brasil Holandês (2002), de Evaldo Cabral de Mello
De acordo com a obra, a presença de Nassau transformou Recife em uma cidade desenvolvida. A obra reúne documentos da época e textos de viajantes, governantes e estudiosos.

Exposições:

355 anos do Tratado de Paz de Haia

Museu do Estado de Pernambuco
Avenida Rui Barbosa, 960, Graças, Horário: de terça a sexta, 10h às 17h e sábados e domingos, 14h às 17h
Entrada: R$ 6 (inteira) e R$ 3 (meia)

Frans Post e o Brasil Holandês
Instituto Ricardo Brennand
Rua Mário Campelo, 700, Várzea, Recife
Horário: terça a domingo,  13h às 17h