ACERVO PATRIMÔNIO NACIONAL »
Era uma vez, o boato que causou pânico
Em 1975, quando a internet era ficção científica e as fake news nem existiam, a frase "Tapacurá estourou" se espalhou por todo o Recife
ADELMO LUCENA
Publicação: 19/07/2025 03:00
![]() | |
Cenas de correria e pavor foram flagradas pelo Diario de Pernambuco naquele dia |
Nesta segunda-feira (21), completa-se meio século de um dos episódios mais caóticos da história do Recife: o dia em que o boato de que a barragem de Tapacurá havia se rompido espalhou-se pela cidade, provocando pânico coletivo, correria generalizada e três mortes por ataque cardíaco. O caso virou tema de um livro do escritor e empresário Altemar Pontes. A obra recebeu o nome de 1975 – Recife Afundou em Silêncio.
Foi numa manhã de segunda-feira que a frase “Tapacurá estourou!” começou a circular de forma descontrolada. Em questão de minutos, o Recife se transformou em um cenário de histeria urbana. Carros avançavam sinais, circulavam na contramão e provocavam acidentes. Bancos, escolas, hospitais e repartições públicas fecharam as portas. Pacientes abandonaram leitos e ambulatórios. Ônibus foram invadidos, e alguns passageiros, em desespero, saltaram pelas janelas.
Dois dias antes, a cidade havia enfrentado uma das maiores enchentes do século. Em 17 e 18 de julho, choveu o equivalente a semanas. Mais de 100 pessoas morreram, bairros inteiros foram alagados, e o trauma ainda estava muito vivo na mente de todos. A barragem de Tapacurá, construída apenas dois anos antes, não parecia um risco. Bastou a semente de um boato para desencadear o caos.
“O boato aconteceu durante a pior enchente que o Recife já teve. E a barragem de Tapacurá tinha sido construída em 1973, atendendo à enchente de 1968. Um dos meus amigos, que morava no bairro de Afogados e teve a casa invadida pela água, explicou que a água chegou a dois metros de altura e que as pessoas já estavam tensas por estarem há 48 horas embaixo d’água. Quando veio a informação do rompimento da barragem, o pensamento era de ‘morte na certa’”, explica Altemar.
O autor conta que ficou sabendo do boato durante uma conversa com amigos e que decidiu se aprofundar no tema. Com isso, surgiu o desejo de criar um livro ambientado naquele cenário. “A gente vinha conversando sobre fake news e até brinquei que esse é um nome muito bonito, muito chique, porque a gente chamava de ‘boato’, no passado. Eu desconhecia a informação do boato de Tapacurá e achei muito estranho que um boato sobre o rompimento tenha causado tanto estrago”.
Durante as pesquisas para produzir o livro, ele se deparou com um exemplar do Diario de Pernambuco que continha dez páginas sobre o fato. Foi mergulhando nessas informações que ele encontrou cenários surpreendentes sobre o boato. “Também tem o fato de que, no Hospital Barão de Lucena, que era, na época, o maior hospital de trauma, as pessoas chegavam em botes, em portas ou em qualquer coisa que flutuasse [por conta das enchentes]”, complementa Altemar, frisando que o cenário caótico da época justificava o pânico.
A tranquilidade só começou a voltar cerca de uma hora depois, quando emissoras de rádio e TV passaram a desmentir a informação. O próprio governador à época, Eraldo Gueiros, entrou ao vivo nas rádios e gravou comunicado para a televisão, reforçando que a barragem permanecia intacta. Naquela altura, o estrago emocional já estava feito.