Umberto e os ecos de sua literatura Autor de O nome da Rosa morre aos 84 anos e deixa vasta obra composta por sete romances e mais de trinta ensaios

Luce Pereira
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Publicação: 20/02/2016 03:00

Agora, vez por outra, “matam” uma celebridade nas redes sociais, porém, antes que as postagens sobre o assunto virem piano de uma nota só, descobre-se a invenção do boato. Infelizmente, no entanto, a morte do escritor Umberto Eco, na noite de ontem, não era piada de mau gosto. Assim como Portugal chorou a despedida de (José) Saramago, a Itália começava ali a se preparar para dizer adeus a um dos intelectuais mais festejados de sua época, defensor como poucos da sobrevivência do livro e do jornal que se pegam com as mãos. Só em suas duas residências – o espaçoso e bem localizado duplex de Milão e a casa de Rimni, onde ia aproveitar os dias de sol – tinha cerca de 50 mil títulos. Tão íntimo era da escrita que, apesar da vasta herança, não se dava por satisfeito e sempre fazia transpor, em declarações à imprensa, que a melhor obra ainda estava por vir. Em 2015, aos 83 anos, publicou a última delas, Número Zero, onde notadamente se coloca em defesa do jornalismo verdadeiro, aquele que não se rende a chantagens nem se transforma em balcão de negócios. A história se passa em 1992 e gira em torno da edição de um jornal que, sem nunca ir às ruas, tem como objetivo apenas chantagear autoridades e personalidades para as quais as consequências seriam terríveis caso os exemplares chegassem aos leitores.
Filósofo, semiólogo e professor, publicou mais de 30 ensaios e sete romances, entre eles O pêndulo de Foucault (1988), A ilha do dia anterior (1994) e Cemitério de Praga (2010), mas nenhum com a repercussão de O nome da Rosa (1980), que foi transformado em filme e apresentou um mais do que convincente Sean Connery no papel do frade fransciscano Willian de Baskerville, empenhado em descobrir as causas do crime ocorrido dentro de uma abadia medieval. Aliás, a intimidade de Eco com a Renascença e seus mistérios começava logo com a vista que tinha na frente do edifício em que morava com a mulher, Renata Ramge: o palácio Sforzesco. Para criar as tramas ultraelaboradas dos seus livros, parecia ter à frente da mesa de trabalho um caldeirão onde misturava infomações sobre ocultismo, sociedades secretas, mesmerismo, esoterismo, magia e bruxaria com questionamentos que inquietam a humanidade a qualquer época. Era mestre em arrancar máscaras com sensibilidade e inteligência, para não deixar dúvidas sobre o espantoso talento evidenciado pelo gênero suspense erudito, que criou.
“Estou com tendinite de tanto dar autógrafo em livros”, declarou, aos 80 anos, somando àquele item da rotina profissional mais alguns que lhe exigiam concentração, boas condições físicas e, sobretudo, bom humor: cátedra na Universidade de Bolonha, palestras pelo mundo, orientação a doutorandos e pós-doutorandos, além dos indefectíveis pedidos de entrevistas. Afora isso, ainda precisava se manter atento aos solavancos que recebia de um meio para o qual sempre olhou de viés – a internet. Sem tempo para nada, precisou intervir e corrigir notícias, erros e absurdos publicados a seu respeito, para que não fossem os internautas a arcar com os prejuízos de receber informações distorcidas. A propósito, insistia em que “o excesso de informação provoca amnésia, faz mal” e que “a internet ainda é um mundo selvagem e perigoso, onde tudo surge sem hierarquia”. Um mundo carente de filtros, portanto, que não reflete conhecimento.
Mesmo assim, a relação com o universo virtual não destoava da necessidade que tinha de se manter ativo e defensor dos seus conceitos. Na última “tuitada”, em 21 de novembro de 2015, reafirmou a esperança na longevidade do jornal impresso, por uma suposta tendência do “retorno ao papel”. Nós também. Mas, se vai fazer falta o intelectual que até o fim defendeu dois grandes aliados do conhecimento, mais ainda o escritor que fazia do ofício um exercício de prazer. Criava sem dívidas com horários e métodos, escrevia por amor ao verbo. Simplesmente escrevia.