Gravado na História do Brasil Brasil se despede do poeta e ilustrador J. Borges, reconhecido mundialmente como o mestre das xilogravuras e Patrimônio Vivo de Pernambuco

André Guerra

Publicação: 27/07/2024 03:00

Eternizado pelos seus cordéis e xilogravuras, José Francisco Borges dedicou a vida a criar peças que há muitas décadas são consideradas símbolo da identidade pernambucana. Dono de um estilo inconfundível que impressiona gerações e é celebrado em exposições ao redor do mundo, J. Borges faleceu na manhã da sexta (26), aos 88 anos, em sua casa em Bezerros, sua terra-natal, devido a uma parada cardíaca. Poeta e ilustrador celebrado como um dos maiores do país e patrimônio do estado de Pernambuco, ele teve sua trajetória artística iniciada desde cedo, confeccionando brinquedos artesanais e vendendo livretos de cordel.

Nascido em 20 de dezembro de 1935, J. Borges escrevia suas histórias de cordel já aos 21 anos e chamou atenção de vários colecionadores, ganhando atenção particularmente nos ano 1970 quando seu trabalho com xilogravuras teve visibilidade nacional pela televisão. As ilustrações viraram ícones da cultura nordestina: vaqueiros, casais namorando, árvores e pássaros, gravados em diversos tamanhos e contando inúmeras histórias, estão entre as figuras retratadas por ele e passaram a compor o universo de outros grandes artistas, a exemplo de Ariano Suassuna.

"Quando Ariano viu [um dos cordéis], ele disse: "onde é que mora essa fera? Eu quero conhecer essa pessoa". Depois que ele falou que eu era o melhor do Nordeste e o melhor do Brasil, aí encaminharam e eu não tive mais sossego, até hoje", brincou o mestre das xilogravuras em sua última entrevista ao Diario de Pernambuco, em 2023.

Em Bezerros, o Memorial J. Borges reúne parte de sua obra e objetos pessoais e se tornou um ponto alto de visitação do interior do estado, além de ateliê onde ele, até o fim da vida, seguiu produzindo peças novas e recebendo as pessoas. A obra de J. Borges sempre refletiu a variedade temática do interior de Pernambuco, onde ele viveu quase toda a vida. Lendas, folclore, cotidiano, religiosidade e política estão em seus escritos e ilustrações.

Escritora, pesquisadora e biógrafa do mestre das xilogravuras, Maria Alice Amorim, que escreveu o livro J. Borges: Entre fábulas e astúcia, relembrou em entrevista ao Viver a influência e impacto do artista no cenário cultural pernambucano e brasileiro. "Ele conseguia conquistar as pessoas com a conversa, com o sorriso. Sempre me chamou a atenção a capacidade de reinventar-se, esse espírito de fabulação, essa disponibilidade para interagir com as pessoas e, sobretudo, de liderar e aglutinar para trabalhar em equipe", revelou. "Com muita vitalidade, ao longo das décadas de atuação, ele buscou se adaptar às novas demandas relacionadas ao universo do cordel e da xilogravura, por isso se manteve atuante, produzindo, inserido nos circuitos artísticos e no mercado. Viveu até os últimos momentos com disposição, alegria, vitalidade. E a mesma gigantesca memória de toda a vida", completou.

Diversas personalidades, entre artistas e políticos, lamentaram a perda de J. Borges. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também lamentou o falecimento do artista, descrevendo-o como "um dos maiores xilogravuristas do país". "Fiquei muito feliz de poder levar sua arte até o Papa", relembrou o chefe do executivo.

"Levou Bezerros e o Agreste e Pernambuco para o mundo. Vai deixar uma saudade imensa, mas as a sua grandiosidade permanecerá aqui pelas mãos de seus filhos, discípulos e centenas de xilogravuras que representam tão bem a nossa cultura", escreveu a governadora Raquel Lyra.

O prefeito do Recife, João Campos, postou em rede social sua homenagem. "J. Borges gravou na madeira as histórias de um Nordeste realista, fantástico e armorial. Dono de um sorriso largo, era patrimônio de Pernambuco e gênio da cultura popular reconhecido no Brasil e no mundo. As novas histórias de cordéis deverão contar, em breve, a generosidade e a sensibilidade em tudo que fazia. Sabia unir seu olhar singular para a vida com uma capacidade indecifrável de retratar versos. Sempre que passava por Bezerros, no Agreste, fazia questão de vê-lo e de admirar a sua arte. A partida dele, deixa Pernambuco com o "coração na mão", como ele mesmo gravou. Em toda parte, J. Borges vai deixar muita saudade."