A poesia do cotidiano
Exposição "Vidas em Cordel" entra em cartaz a partir de amanhã no Cais do Sertão, costurando a literatura popular ao ofício da xilogravura
Allan Lopes
Publicação: 14/08/2025 03:00
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O cordéis de Paulo Freire, Di Melo, Ana Lúcia do Coco e Aninha Ferraz |
Toda vida, por mais humilde que seja, carrega sua própria epopeia. As histórias de 21 pessoas célebres e anônimas se revelam em gravuras e rimas na exposição Vidas em Cordel, que chega ao Recife a partir de amanhã e ficará disponível na sala Todo Gonzaga, no 2ª andar do Centro Cultural Cais do Sertão (Recife Antigo), até 15 de dezembro. O público poderá descobrir como o cordel e a xilogravura, linguagens nascidas do povo, conseguem extrair poesia do cotidiano, dando voz e dignidade a quem muitas vezes não é ouvido.
Após atrair mais de 80 mil visitantes presenciais em diversos estados, a mostra chega enfim à terra que consagrou o saudoso J. Borges, o maior xilógrafos do Brasil, e que adotou o mestre Ariano Suassuna e seus versos ritmados. "É uma grande honra para nós, especialmente pela importância da literatura de cordel em Pernambuco", celebra Lucas Lara, diretor de museologia do Museu da Pessoa, que promove a exposição em formato físico e virtual desde 2023.
Entre as histórias retratadas, 18 fazem parte do acervo itinerante, incluindo Francisco Edmísio, que sonhava em ser atleta e se tornou pastor protestante defensor dos menos favorecidos; Geraldo Prado, criador da maior biblioteca rural do mundo; e Dona Benzinha, responsável por mais de oitenta partos de sucesso ao longo de quase cem anos de vida. "Vamos mostrar que a história de cada pessoa importa e que a literatura de cordel também é fundamental para a cultura nacional", afirma Lucas.
No Recife, a mostra ganha cores locais ao transformar em cordel as vidas de quatro pilares da nossa cultura: o educador Paulo Freire, o artista multifacetado Di Melo (o Imorrível), a mestra do coco Ana Lúcia e a editora Aninha Ferraz, guardiã dos cordéis. Para essa missão, reuniu-se um time de destaque da literatura popular pernambucana, com Jorge Filó, Susana Morais e Isabelly Moreira, acompanhados dos curadores Marco Haurélio e Jonas Samaúma. Juntos, eles criam versos que conectam tradição e contemporaneidade.
As xilogravuras são assinadas pela artesã Maria Edna da Silva, oficineira Catarina Dantas, pelo artista plástico e ícone dos quadrinhos Jô Oliveira e pelo multiartista Valdeck de Garanhuns, todos do estado, além da xilógrafa, pesquisadora e curadora da exposição Lucélia Borges, que que também ministrará a oficina "História Gravada", no sábado, entre 13h e 16h. Nela, o público irá explorar técnicas da xilogravura ligadas aos personagens da exposição.
Mesmo gravada na tradição e tantas vezes subestimada, a literatura de cordel permanece viva e profundamente ligada às nossas vidas. "Costumamos menosprezar a relevância da nossa própria trajetória, mas cada um de nós pode se tornar protagonista de um livreto de cordel", destaca o idealizador.