Publicação: 22/11/2014 03:00
A clausula geral de “comunhão plena de vida”, como norma-princípio que remete as relações familiares a seus valores éticos e afetivos aparece, de logo, inserida no primeiro artigo do Livro de Direito de Família (artigo 1.511 do Código Civil), a dizer que “o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade dos direitos e deveres dos cônjuges”.
Adiante, a cláusula é repetida no artigo 1.513, quando dispõe o estatuto civil que “é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”.
A adoção da técnica de tal cláusula ganha uma ampla dimensão, com repercussões notáveis, quando flagra-se a contradição interna entre os mencionados dispositivos (artigos 1.511 e 1.513, CC).
Afinal, “quem estabelece a comunhão plena de vida? O casamento (art. 1.511) ou a família (art. 1.513)?” – pergunta o jurista EDUARDO SILVA (RGS, 2002), identificando, em seu estudo, os erros técnicos do legislador que confunde as instituições entre si, introduzindo, daí, as atecnias no texto normativo.
Ele oferece a melhor resposta, pronta e adequada, ao indicar que “o erro técnico em que incidiu o legislador levaria a crer que a comunhão de vida é instituída pela família, e não de que a família é, ela própria, uma comunhão de vida!”. Bem é certo assim pensar e refletir.
“Aliás, esta a verdadeira evolução em Direito de Família: uma família que se torna comunhão plena de vida entre seus membros e deixa de ser uma mera unidade econômica agregada pelo poder do homem” – acentuou.
Sublinha-se, então, que a cláusula geral da comunhão plena é de conceito aberto, tanto na hipótese (prótase) quanto na consequência jurídica (apódose).
Pois bem. Pergunta-se, nesse ritmo, o que vem a ser a cláusula “comunhão plena de vida”, enquanto cláusula geral na estrutura do sistema jurídico de família. E mais ainda: como ela repercute e deve repercutir no direito de família, em compreensão do seu próprio significado.
A sua especificidade está ínsita do fenômeno familiar, como fato e valor; ou seja, a cláusula de comunhão representa um conceito ético e operativo, contribuindo para o aperfeiçoamento das relações familiares, a partir dos deveres mútuos de cônjuges ou de companheiros. Logo, a impossibilidade da comunhão será causa determinante para a dissolução do vínculo conjugal (art. 1.573, CC).
A comunhão plena de vida significa compartilhar a família nos seus atributos determinantes, onde para além da norma, estão as pessoas comprometidas entre si, comungando interesses comuns e resultados construídos. Efetivamente, figura como uma cláusula diretiva da existência da comunidade familiar. Essa comunhão é intrínseca, como “unidade valorativa e conceitual” e serve, convenhamos, como estrutura dignificante de cada um dos integrantes do núcleo familiar. Noutro ponto, a comunhão implica uma constatação de vida, “não só com o outro, mas para o outro”. Ou seja, a constituição do próprio ser, em sua vida pessoal, como vida destinada para o outro (amar para ser amado, etc.) e não bastando, também o “ser com o outro”, em realização de solidariedade plena. (Octávio Manuel Gomes Alberto, Lisboa, 2012).
O civilista português situa que “a comunhão de vida pressupõe que cada um dos cônjuges esteja permanentemente disponível para dialogar com o outro, auxiliá-lo em todos os aspectos morais e materiais da existência, colaborar na educação dos filhos, etc.” Assim, o débito conjugal é, de fato, um dos núcleos mais decisivos da comunhão de vida. Em resumo, comunhão que se reveste de um dever mútuo de cooperação
De notar que o chamado “dever de comunhão de leito, de mesa e de habitação”, denominado “dever de coabitação”, em nada significa mais que somente isso. Não necessariamente a comunhão de vida que constituirá a essência da união conjugal ou entre conviventes. Pode haver coabitação, sim, sem que, todavia, os que coabitam comunguem as suas próprias existências em prol de uma existência única e una. Esta existência substancial constitui, a toda evidência, o dever-ser do direito de família, onde homens e mulheres, por auxilio mútuo, integração fisiopsíquica, de interesses e de afetos, destinam-se a formar uma comunidade de vida, na clássica lição de PORTALIS.
Certo, então, pensar que deverá haver uma personalidade moral e jurídica da própria instituição familiar enquanto arrimada na comunhão plena de vida; o que transcende a personalidade de cada um dos partícipes. Assim, a família que como tal se expressa por essa comunhão de plenitudes, é um dos maiores bens jurídicos que a sociedade pode obter: pessoas que comungam vidas e celebram os seus vínculos. A vida põe o direito a seu serviço.
JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
Adiante, a cláusula é repetida no artigo 1.513, quando dispõe o estatuto civil que “é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”.
A adoção da técnica de tal cláusula ganha uma ampla dimensão, com repercussões notáveis, quando flagra-se a contradição interna entre os mencionados dispositivos (artigos 1.511 e 1.513, CC).
Afinal, “quem estabelece a comunhão plena de vida? O casamento (art. 1.511) ou a família (art. 1.513)?” – pergunta o jurista EDUARDO SILVA (RGS, 2002), identificando, em seu estudo, os erros técnicos do legislador que confunde as instituições entre si, introduzindo, daí, as atecnias no texto normativo.
Ele oferece a melhor resposta, pronta e adequada, ao indicar que “o erro técnico em que incidiu o legislador levaria a crer que a comunhão de vida é instituída pela família, e não de que a família é, ela própria, uma comunhão de vida!”. Bem é certo assim pensar e refletir.
“Aliás, esta a verdadeira evolução em Direito de Família: uma família que se torna comunhão plena de vida entre seus membros e deixa de ser uma mera unidade econômica agregada pelo poder do homem” – acentuou.
Sublinha-se, então, que a cláusula geral da comunhão plena é de conceito aberto, tanto na hipótese (prótase) quanto na consequência jurídica (apódose).
Pois bem. Pergunta-se, nesse ritmo, o que vem a ser a cláusula “comunhão plena de vida”, enquanto cláusula geral na estrutura do sistema jurídico de família. E mais ainda: como ela repercute e deve repercutir no direito de família, em compreensão do seu próprio significado.
A sua especificidade está ínsita do fenômeno familiar, como fato e valor; ou seja, a cláusula de comunhão representa um conceito ético e operativo, contribuindo para o aperfeiçoamento das relações familiares, a partir dos deveres mútuos de cônjuges ou de companheiros. Logo, a impossibilidade da comunhão será causa determinante para a dissolução do vínculo conjugal (art. 1.573, CC).
A comunhão plena de vida significa compartilhar a família nos seus atributos determinantes, onde para além da norma, estão as pessoas comprometidas entre si, comungando interesses comuns e resultados construídos. Efetivamente, figura como uma cláusula diretiva da existência da comunidade familiar. Essa comunhão é intrínseca, como “unidade valorativa e conceitual” e serve, convenhamos, como estrutura dignificante de cada um dos integrantes do núcleo familiar. Noutro ponto, a comunhão implica uma constatação de vida, “não só com o outro, mas para o outro”. Ou seja, a constituição do próprio ser, em sua vida pessoal, como vida destinada para o outro (amar para ser amado, etc.) e não bastando, também o “ser com o outro”, em realização de solidariedade plena. (Octávio Manuel Gomes Alberto, Lisboa, 2012).
O civilista português situa que “a comunhão de vida pressupõe que cada um dos cônjuges esteja permanentemente disponível para dialogar com o outro, auxiliá-lo em todos os aspectos morais e materiais da existência, colaborar na educação dos filhos, etc.” Assim, o débito conjugal é, de fato, um dos núcleos mais decisivos da comunhão de vida. Em resumo, comunhão que se reveste de um dever mútuo de cooperação
De notar que o chamado “dever de comunhão de leito, de mesa e de habitação”, denominado “dever de coabitação”, em nada significa mais que somente isso. Não necessariamente a comunhão de vida que constituirá a essência da união conjugal ou entre conviventes. Pode haver coabitação, sim, sem que, todavia, os que coabitam comunguem as suas próprias existências em prol de uma existência única e una. Esta existência substancial constitui, a toda evidência, o dever-ser do direito de família, onde homens e mulheres, por auxilio mútuo, integração fisiopsíquica, de interesses e de afetos, destinam-se a formar uma comunidade de vida, na clássica lição de PORTALIS.
Certo, então, pensar que deverá haver uma personalidade moral e jurídica da própria instituição familiar enquanto arrimada na comunhão plena de vida; o que transcende a personalidade de cada um dos partícipes. Assim, a família que como tal se expressa por essa comunhão de plenitudes, é um dos maiores bens jurídicos que a sociedade pode obter: pessoas que comungam vidas e celebram os seus vínculos. A vida põe o direito a seu serviço.
JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).