A Primavera Árabe se tornou inverno Cinco anos após a onda de levantes populares que derrubou ditaduras em quatro países, apenas a Tunísia construiu a democracia e a estabilidade política

RODRIGO CRAVEIRO
Do Correio Braziliense

Publicação: 20/12/2015 03:00

População de Tunis foi às ruas na semana passada para comemorar os cinco anos da revolução árabe (FRED DUFOUR/AFP)
População de Tunis foi às ruas na semana passada para comemorar os cinco anos da revolução árabe
Diante de um painel com a imagem do ambulante Mohamed Bouazizi, a bandeira da Tunísia foi hasteada na quinta-feira passada e três soldados dispararam uma salva de tiros, na cidade de Sidi Bouzid, 280km ao sul de Túnis. Foi uma homenagem ao vendedor de frutas que ateou fogo ao próprio corpo, em 17 de dezembro de 2010, e motivou uma onda de levantes populares em nações do norte da África e do Oriente Médio. Cinco anos depois da autoimolação de Bouazizi e do início da Primavera Árabe, apenas a Tunísia deixou-se levar pelos ventos da mudança até o encontro com a democracia – graças ao trabalho do Quarteto de Diálogo Nacional, laureado este ano com o Nobel da Paz.

Apesar de terem derrubado ditadores, Líbia, Egito e Iêmen fracassaram em gerenciar a transição e se tornaram presas de terroristas, de milicianos ávidos pelo poder e de um regime militar que abusa da mão-de-ferro para punir opositores. Por sua vez, a tentativa de revolta para depôr Bashar Al-Assad lançou a Síria em uma guerra civil com múltiplos atores de agendas diversas. Jihadistas do Estado Islâmico e de outras facções, combatentes rebeldes e o Exército de Damasco mataram ao menos 250 mil e motivaram um êxodo migratório que colocou a Europa em alerta.

“A Primavera Árabe não foi árabe, mas tunisiana”, afirma por telefone ao Correio Braziliense/Diario, sem esconder o sorriso, Mohammed Fadhel Mahfoudh, presidente da Ordem Nacional dos Advogados da Tunísia, uma das entidades do Quarteto. “Ela falhou nas outras nações porque aqui existe uma sociedade civil muito forte e poderosa. Temos personalidades (políticas) que tiveram formação em boas escolas”, comenta. De acordo com ele, é impossível comparar a Tunísia de hoje com aquela governada pelo ditador Zine El Abidine Ben Ali. “Nós somos livres e os direitos humanos são respeitados. Também temos novas instituições. As pessoas podem votar e conversar sobre política.”

Mahfoudh admite a urgência de uma transição econômica. “Nós recebemos o Nobel por nosso trabalho, o que é ótimo. O prêmio significa que o povo tunisiano é pacífico e que todos os problemas políticos podem ser solucionados por meio da negociação e da paz”, diz.