Guerra aberta em todo o país Crise de segurança levou a um aumento de mais de 100% no número de homicídios no Brasil, muitos deles ordenados por criminosos que estão presos

Publicação: 26/06/2017 03:00

Nos estados do Amazonas, Tocantins, Maranhão, Sergipe e Ceará, a explosão de violência resultou em um aumento superior a 100% no número de homicídios. O especialista Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, relata preocupação com a situação extrema na crise da segurança no Brasil. “Hoje, as mortes violentas fazem parte de toda a paisagem urbana das cidades. Há 10 anos, os números de assassinatos eram mais intensos nas cidades maiores, principalmente nas capitais. Isso se explica por conta da grande concentração de pessoas. Mas agora nós vemos a violência avançando para o interior, em municípios com menos de 100 mil habitantes”, ressalta.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que 80% das armas usadas nos homicídios são de fabricação nacional. O que revela uma violência generalizada, entre a população, integrantes de gangues e de pequenos núcleos de crime. Já pistolas e revólveres de fabricação nacional caem nas mãos de criminosos por meio de assaltos a empresas, seguranças particulares, a policiais e cidadãos que possuem porte de arma.

Em suas recomendações ao governo, o fórum pede a integração dos sistemas das forças de segurança, como o Sinab, usado pela Polícia Federal, e o Sigma do, Exército Brasileiro. A entidade defende a criação de um cadastro nacional de criminosos e armas, a fim de identificar qualquer contrabando.

Fiscalização
Em 2009, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a criação de grupos para fiscalizar a situação dos presídios brasileiros. A medida está prevista em uma resolução do órgão e tem como objetivo impedir rebeliões, atos de violência e a perpetuação de facções criminosas nos centros de detenção. Os chamados Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMFs) levam magistrados para as unidades prisionais. Os presídios são locais que registram o crescimento rápido de grupos criminosos e maior facilidade das facções em cooptar novos integrantes. Deles, partem ordens para ataques, execução de desafetos e de novas estratégias para o tráfico de drogas.

O juiz Antônio Dantas, titular da Vara de Execução Penal de Araguaína, do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO), integra um dos grupos criados para fiscalizar o sistema carcerário. Antônio defende políticas sociais dentro das penitenciárias para combater a violência. “A fiscalização é importante para manter a segurança dentro dos presídios. Mas temos que ter políticas públicas de reeducação dos internos e medidas que vão evitar que eles cometam novos atos criminosos ao sair”, diz.

O magistrado afirma que, nos presídios que visita, percebe que as facções criminosas estão presentes. “Nós já temos a propagação de facções dentro dos presídios do Tocantins, como ocorre em outros estados. Há alguns anos, esse problema não existia. Mas, hoje, quem manda nos presídios aqui do estado é o governo. Em todo o país, temos um sistema prisional arcaico que colabora com a violência”, destaca o juiz.

O líder
“Lúcido, determinado em seus objetivos e assertivo”. Essas são as características que o psicólogo Augusto Sá, da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, utiliza para descrever Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola. Augusto ficou frente a frente com o líder da maior facção criminosa do país quando precisou negociar o fim de ataques que ocorreram na capital paulista, em 2006. As palavras do profissional de saúde psicológica não se tratam de um elogio, mas de um alerta.

Foi à frente do Primeiro Comando da Capital (PCC) que Marcola organizou o domínio dos presídios em São Paulo. A facção reina entre as unidades prisionais do estado, que reúnem 231 mil detentos, maior contingente do país.

Desde criança, Marcola já revelava tendências para o crime. Órfão aos 9 anos de idade, roubava carteiras e aparelhos de rádio na Zona Central paulista. Aos 18 anos, foi preso por roubo a banco e foi para o Complexo do Carandiru, onde se juntou aos primeiros integrantes do grupo que se tornaria um negócio do crime, alcançando praticamente todos os estados e, 25 anos depois, partiria para além das fronteiras brasileiras.

Condenado a 232 anos e 11 meses por formação de quadrilha, roubo, tráfico de drogas e homicídio, Marcola nega que comanda o PCC. “Não existe um ditador. Embora a imprensa fale, romanticamente, que existe um cara, o líder do crime. Existem pessoas esclarecidas dentro da prisão, que com isso angariam a confiança de outros presos”, declarou o condenado em audiência pública na CPI do tráfico de armas em 2006. (Correio Braziliense)

Guerra nacional

A violência no Brasil já atinge números impressionantes. O total de mortes violentas anuais se aproxima de 60 mil e avança de forma significativa nos estados do Norte e Nordeste. No Brasil se mata mais que em países em guerra, como Síria e Iraque.
  • Entre 2005 e 2015 mais de 600 mil pessoas foram assassinadas no Brasil, nas 27 unidades da Federação;
  • De acordo com o Atlas da Violência, do Ipea, a cada 3 semanas, morrem no Brasil mais pessoas do que os óbitos registrados em todos os ataques terroristas no mundo, no mesmo período;
  • Entre as pessoas assassinadas no período de 10 anos, mais de 318 mil eram jovens, com idades entre 15 e 29 anos;
  • Os homens são as maiores vítimas dos homicídios. Mortes violentas foram a causa de óbitos de 47,8% dos jovens do sexo masculino nos 10 anos pesquisados;
Avanço da violência
  • A taxa de homicídios registrou grande avanço nos estados do Norte e Nordeste.
  • Entre 2005 e 2015, o Rio Grande do Norte teve um aumento de 232%. Amazonas, Tocantins, Maranhão, Sergipe e Ceará registraram aumentos superiores a 100% no número de mortes violentas.
Nos últimos 5 anos, os homicídios caíram no
  • Espírito Santo (-27,6%),
  • Paraná (-23,4%) e
  • Alagoas (-21,8%).
Sangue nas prisões
  • Já no primeiro dia de 2017, uma rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, deixou um rastro de sangue com 56 mortos;
  • Duas semanas depois, mais 26 assassinatos em um massacre num presídio no Rio Grande do Norte. A facção Sindicato do Crime RN é apontada como responsável pela rebelião. Presos foram decapitados e tiveram coração arrancado por outros detentos;
  • Em 6 de janeiro, 31 detentos foram assassinados na Penitenciária de Monte Cristo, em Roraima. Os detentos foram mortos a mando do Primeiro Comando da Capital (PCC);
Criminalidade
  • 59.080 pessoas foram intencionalmente mortas no Brasil em 2015. A cada 9 minutos, uma pessoa foi assassinada violentamente no país;
  • 54% das pessoas assassinadas por arma de fogo em 2015 eram jovens de 15 a 24 anos de idade;
  • 358 policiais foram assassinados no país no ano pesquisado; 290 estavam de folga quando perderam a vida;
  • 76% dos brasileiros têm medo de ser vítima de homicídio. 57% da população acredita que “bandido bom é bandido morto”;
  • 50% dos cidadãos acreditam que a Polícia Militar é eficiente para manter a segurança. Mas 59% têm medo de ser vítima de uma ação violenta da PM;
Arsenal de guerra
  • No Brasil, há 8,5 milhões de armas ilegais circulando nos estados;
  • 3,8 milhões dessas armas estão nas mãos de criminosos e são usadas em assaltos, homicídios e sequestros;
  • Em todo o país, 6,8 milhões de armas registradas estão circulando de forma legal. Esse número inclui o armamento das polícias, de empresas privadas, colecionadores, caçadores e cidadãos que têm arma para se proteger;
  • 110.327 armas de fogo foram retiradas das mãos de criminosos em 2015;
Homicídios no exterior
  • Mesmo contando com uma população maior, alguns países registram menos homicídios que o Brasil.
  • 11.961 pessoas foram assassinadas nos Estados Unidos em 2014, data do último levantamento do FBI. O país tem uma população de 300 milhões de habitantes, 96 milhões a mais que o Brasil.
  • 5 pessoas foram mortas por arma de fogo no Japão em 2015. Somados com outros tipos de mortes, provocadas seja por acidente, homicídios com armas brancas e lutas corporais, são menos de 1 mil mortos em todo o país. O Japão tem 150 milhões de habitantes.
  • Em média, 40 mil pessoas são mortas por ano na Índia. O país é um dos mais populosos do mundo, com 1,2 bilhão de habitantes.