O cineasta que traduziu a alma brasileira Falecido aos 89 anos, vítima de pneumonia, Nelson Pereira dos Santos terá seu corpo velado hoje, na sede da Academia Brasileira de Letras, no Rio

Publicação: 23/04/2018 03:00

O cineasta Nelson Pereira dos Santos, que morreu na tarde do sábado, aos 89 anos, terá seu corpo velado hoje, no Rio de Janeiro. A despedida será na Sala dos Poetas Românticos, do Petit Trianon, na Academia Brasileira de Letras (ABL). A previsão é de que os restos mortais cheguem à ABL às 8h30, e que o sepultamento seja realizado no Mausoléu da academia, no Cemitério São João Batista, às 15h.

Nelson morreu de pneumonia. Ele estava internado na unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital Samaritano, em Botafogo, na capital fluminense, desde o último dia 12. Às 17h do sábado, a família confirmou a morte. O cineasta se tratava contra um câncer de fígado diagnosticado há 40 dias.

“Ele estava ótimo, não estava doente. Foi internado com uma pneumonia, na semana passada, que cedeu. Estava lúcido, mas cansado. Morreu sem dor, uma morte tranquila, com toda a família reunida”, disse a publicitária Mila Chaseliov, sua neta.

Ocupante da cadeira número 7 da ABL desde 2006, o cineasta deixa a viúva, Ivelise, além de quatro filhos (Nelson, Ney, Márcia e Diogo), e quatro netos (Thalita, Mila, Bruno e Carolina). O presidente da academia, Marco Lucchesi, determinou o cumprimento de luto de três dias, com a bandeira hasteada a meio-mastro.

Nascido em São Paulo, em 22 de outubro de 1928, Nelson era bacharel em direito, formado  pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. O primeiro longa de Nelson, Rio, 40 graus (1955), foi um dos marcos inaugurais do cinema brasileiro moderno. Inspirado no neorrealismo italiano, o diretor expôs a desigualdade social no Rio de Janeiro, o “cartão-postal” do Brasil na década de 1950. Câmera na rua, atores não profissionais e negros em papéis de destaque chamaram a atenção a ponto de o filme ser vetado pela censura, em setembro de 1955, durante o governo Café Filho.  

Acusado de “comunista”, Rio, 40 graus só estreou em março de 1956, depois da pressão contra a censura por parte de intelectuais - Carlos Drummond de Andrade e Jorge Amado, entre eles. Glauber Rocha dizia que o longa do amigo foi “o primeiro filme brasileiro engajado”. Nelson montou Barravento (1962), o primeiro longa do baiano.

Diretor, produtor, roteirista, montador, ator e professor, Nelson Pereira dos Santos foi criado no Bixiga, em São Paulo, filho de alfaiate e de uma dona de casa. Em 1947, entrou para o grupo de teatro Os Artistas Amadores, onde era colega de Paulo Autran (1922-2007). Em 1949, viajou para Paris e frequentou a Cinemateca Francesa. Formado em direito pela Universidade de São Paulo (USP), foi revisor e redator. Trabalhou em vários órgãos de imprensa, como Diário da Noite (SP), Diário Carioca (RJ) e Jornal do Brasil (RJ).

Homem de esquerda, Nelson era filiado ao antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), o “Partidão. A preocupação com as questões sociais foi a marca de seu trabalho desde o primeiro filme: o documentário Juventude (1949), sobre trabalhadores na capital paulista. Em 1951, Nelson se mudou para o Rio de Janeiro a convite do diretor Ruy Santos. Foi assistente de direção em Balança, mas não cai (1952), de Paulo Vanderlei, O saci (1953), de Rodolfo Nanni, e de Agulha no palheiro (1953), de Alex Viany.

Rio, Zona Norte foi lançado dois anos depois do primeiro longa de ficção de Nelson. “Se em Rio, 40 graus a câmera narra e expõe com ardor os dramas, as misérias e a contradição da grande cidade, em Rio, Zona Norte a câmera estuda o meio, documenta, pergunta, expõe, acumula dados”, disse o também cineasta Glauber Rocha (1939-1981). O olhar para mazelas sociais se aguçaria ainda mais em Vidas secas, filme baseado no romance de Graciliano Ramos, que chegou às salas de cinema pouco antes do golpe militar de 1964, foi premiado no Festival de Cannes, na França, e é considerado uma obra-prima. (Com Estado de Minas)