Edifício de 24 andares pega fogo e cai em São Paulo Prédio, no centro da capital paulista, estava ocupado por centenas de famílias que viviam de forma irregular no espaço

Publicação: 02/05/2018 03:00

Um incêndio na madrugada de ontem levou ao desabamento do Edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paiçandu, centro de São Paulo. Pelo menos uma pessoa continuava desaparecida até o fechamento desta edição. O incidente levou a Prefeitura de São Paulo a anunciar vistorias em 70 prédios ocupados na capital para avaliar eventuais riscos estruturais e de incêndio.

Ao menos 146 famílias viviam irregularmente no imóvel que desabou, segundo a Assistência Social da prefeitura. Os bombeiros informaram que o prédio havia sido vistoriado em 2015, quando foram relatadas as péssimas condições do local às autoridades do município. O Ministério Público decidiu reabrir um inquérito arquivado em março que apurava eventuais riscos de segurança no edifício. O imóvel, uma antiga instalação da Polícia Federal, foi invadido diversas vezes por semteto brasileiros e imigrantes.

Relatos de moradores indicam que o fogo teve início no quinto andar, por volta da 1h30, quando se ouviu um estrondo e o prédio teria sofrido um abalo. O alerta foi rápido e os ocupantes disseram ter conseguido escapar pelas escadas sem maiores riscos. Um homem identificado apenas como Ricardo teria ajudado sobreviventes e ficado pendurado. Mas quando os bombeiros preparavam o içamento, houve o colapso do edifício, que ruiu.

Segundo o engenheiro civil Flávio Figueiredo, será necessário analisar o projeto estrutural do edifício para entender como aconteceu o colapso. “Foi uma sorte muito grande ter caído daquele jeito. Dependendo de onde perdesse a sustentação, poderia ter sido pior: poderia ter enfraquecido de um único lado e ter tombado inclinado”, explica o conselheiro do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo.

Ele aponta que um dos possíveis motivos para o desabamento foi o fogo ter se alastrado pelos andares inferiores, em vez de ter um foco concentrado. A retirada dos elevadores - que criou dutos de ar no fosso - também pode ter ajudado a criar uma “chaminé”. A perícia oficial será possível somente após o fim dos trabalhos de resgate.

Até o início da noite de ontem havia oficialmente apenas um desaparecido. Outras 34 pessoas previamente cadastradas pela prefeitura não foram localizadas, mas não se sabia se elas estavam no local. As buscas atravessariam a madrugada, mas com cuidado, pois o processo de resfriamento da estrutura deve se estender por 48 horas.

VAIAS
Em rápida visita aos escombros ontem, o presidente Michel Temer classificou a situação como “dramática” e afirmou que a União, dona do prédio, ainda não havia pedido a reintegração de posse porque o local era ocupado por “gente muito pobre”. Temer foi xingado e chamado de “golpista” por pessoas que acompanhavam o trabalho dos bombeiros. Na saída, alguns chegaram a atirar objetos contra o presidente, que foi protegido por seguranças, e a bater no vidro e a chutar a lataria do seu carro. (Da Agência Estado)
 
Mais “30 segundos para salvá-lo”
 
O sargento Diego Pereira da Silva Santos, do Corpo de Bombeiros, subiu as escadas do prédio vizinho ao Edifício Wilton Paes de Almeida para avisar os moradores que o local deveria ser evacuado. Quando estava no 15º andar, ouviu um grito vindo pela janela da cozinha. Ao olhar, percebeu alguém pendurado no prédio em chamas. “Era um grito de socorro. Ele estava no cabo de aço do para-raio”, lembrou.

O homem do lado de fora era Ricardo, a única pessoa considerada oficialmente “desaparecida” depois do desabamento. Para pedir ajuda no lado de fora, a vítima tentou deixar o apartamento, tomado por chamas, onde a temperatura estimada pelos bombeiros chegava aos 400° C.

O bombeiro subiu até a laje do prédio vizinho e lançou dois equipamentos para o homem segurar. “Precisávamos de mais 30 segundos para salvá-lo.” “Houve um barulho embaixo, mas em cima não dava para escutar que isso estava acontecendo, que o prédio estava indo para baixo”, contou o sargento Diego. “Pulei para trás e me protegi. A corda dele não resistiu e rompeu. Eram sete andares de concreto quente em cima dele. Fico chateado por não ter conseguido salvá-lo. Tentamos de tudo. Não tem como não se emocionar.”

Entre os moradores da invasão, Ricardo era conhecido pelo apelido de “Tatuagem” - justificado pela grande quantidade de gravuras que lhe tomavam um braço inteiro. Segundo relatam, o homem morava sozinho em um quarto do nono andar do edifício.

Embora não saibam informar sobrenome ou idade dele, os vizinhos o descrevem como discreto e gentil. Tanto que a vítima teria ajudado outras pessoas a deixar o prédio, antes de ficar presa entre as chamas.

Ricardo ganhava dinheiro descarregando caminhões na Rua 25 de Março, no centro. Entre os moradores, a imagem dele também é imediatamente associada aos patins. “Saía para trabalhar patinando”, disse um morador.
 
Cenário
  • 24 andares possuia o edifício que desabou após o incêndio
  • 2 andares de subsolo também eram ocupados por moradores
  • 146 famílias, ao menos, viviam irregularmente no imóvel
  • 25% delas são famílias compostas por imigrantes estrangeiros
  • 372 pessoas, estima-se, residiam no local
  • 34 pessoas não foram localizadas após o desabamento, mas não são consideradas oficialmente desaparecidas porque não há confirmação de que no momento da queda elas estavam no local
  • R$ 350 a R$ 500 era o valor variável que as famílias pagavam para viver no local

Importante exemplar modernista
 
Quase irreconhecível nas últimas décadas, o Edifício Wilton Paes de Almeida, projeto do arquiteto francês Roger Zmekhol, foi inaugurado em 1968 e era considerado um dos mais importantes exemplares da arquitetura moderna em São Paulo. Tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo, em 1992, o prédio não podia sofrer alterações em sua configuração externa.

Com 24 pavimentos, planta livre, estrutura de concreto armado e com privilégio do aço em sua construção, o edifício foi um dos primeiros da cidade a exibir uma fachada formada inteiramente por esquadrias preenchidas com vidro - uma condição propiciada pela ideia de concentrar as áreas de serviço, bem como a infraestrutura hidráulica e elétrica, no miolo do edifício.

Em seu meio século de vida, abrigou, entre 1980 e 2003, a Polícia Federal e o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). Pertencia à União, mas havia sido cedido à Prefeitura.

“Em um raio de 15 quilômetros ao redor do Largo do Paiçandu existem muitas outras construções tão icônicas quanto o Wilton Paes de Almeida, muitas delas tombadas, mas igualmente afetadas pelo abandono, pela falta de manutenção e por sucessivas ocupações”, afirma José Roberto Geraldine Junior, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo.

Ao lado do prédio que ruiu ficava a Igreja Luterana de São Paulo. O pastor Frederico Carlos Ludwig avalia que ao menos 90% da tenha sido destruída. Inaugurado em 1908 e hoje tombado, foi o primeiro templo em estilo neogótico construído na cidade. Sobraram apenas a torre e parte do altar. “Vitrais, móveis de madeira de lei, nosso órgão centenário... Tudo se foi”, lamentou.