Observatório econômico

por Marcelo Eduardo Alves da Silva *
observatorio@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 04/12/2017 03:00

Mais desigualdade, mais crescimento?

Talvez um dos assuntos mais intrigantes seja a relação entre desigualdade de renda e crescimento econômico. À despeito do que diz o senso comum, a relação entre os dois não é trivial.

Vira e mexe o tema da desigualdade de renda reaparece no debate econômico brasileiro. Nada surpreendente, ocupamos a posição 22 dentre 154 países de pior desigualdade de renda no mundo, de acordo com dados do Banco Mundial. Este tema é interessante, em parte, porque mexe nos nossos sentimentos do que seja justiça. Por um lado, igualdade plena, não faz sentido, diminui a inovação e o esforço. Por outro, extrema desigualdade também é ruim. Esse é um tema amplo, queria apenas apontar para um aspecto: a relação entre crescimento e desigualdade.

À primeira vista, desigualdade parece ser ruim para o crescimento, mas a relação entre eles não é tão simples assim e, na verdade, pode ser positiva, com maior desigualdade sendo associada a um maior crescimento. A evidência empírica não é conclusiva, com vários trabalhos apontando direções diferentes. Do lado teórico, há sim explicações para os dois tipos de possibilidades: maior desigualdade sendo positiva para o crescimento, e maior desigualdade sendo associada a uma piora no crescimento.

Em artigo recente (Does inequality benefit growth? Disponível em https://www.researchgate.net/publication/320044348_Does_Inequality_Benefit_Growth_New_Evidence_Using_A_Panel_VAR_Approach) eu avalio empiricamente essa questão usando dados para o Brasil. Os resultados são interessantes e mostram um resultado oposto ao encontrado para países desenvolvidos. No nosso caso, um aumento na desigualdade está sim associada a um maior crescimento econômico. Como explicar esses resultados?

A teoria econômica e os dados podem nos ajudar. O relacionamento entre desigualdade e crescimento pode ser positivo em economias onde o mercado de crédito é limitado, onde as pessoas e firmas possuem maiores dificuldades de obter crédito. Neste contexto, uma maior desigualdade canaliza recursos para os mais ricos, que são aqueles com maior propensão de poupar. Portanto, com mais recursos, podem realizar mais investimentos e com isso gerar maior crescimento. Mesmo em modelos onde a inovação é o motor da economia, ao concentrar renda em direção aos indivíduos com maior habilidade, o crescimento é favorecido. Isto claro, quando o mercado de crédito é imperfeito. O que dizem os dados? Eles sugerem que somos um país onde investidores possuem grande dificuldade de obter crédito. Num ranking elaborado pelo Banco Mundial, o país figura na 101 posição dentre 180 países. Qual a lição deste estudo?

A lição certamente não é ampliar a desigualdade para gerar maior crescimento. Aliás, o estudo mostra uma relação não trivial, com um aumento no crescimento levando a uma menor desigualdade. A lição, portanto, é que precisamos melhorar a eficiência e o acesso ao mercado de crédito. A redução dos juros de longo prazo e do crédito subsidiado podem nos ajudar nessa direção, além é claro de políticas que aumentem a competição bancária. Quanto à desigualdade, o que mais me aflige é um outro tipo: a desigualdade de oportunidades. Mas esse é um tema para um outra coluna.

* Professor do Departamento de Economia da UFPE.
marcelo.easilva@ufpe.br