Judite e a sua história de amor com a matemática Depois de trancar faculdade após a morte de Eduardo Campos, sertaneja retorna às salas de aula

Wagner Oliveira
wagner.oliveira@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 25/01/2017 03:00

 (ANNACLARICE ALMEIDA/DP (FOTO))
Judite é daquelas pessoas que não desistem dos seus sonhos. A 11ª filha de um total de 12 irmãos, Judite Ferreira da Silva, 34 anos, assim como o segundo filho do casal Sebastião e Josefa (já falecida), nasceu com deficiência física. O irmão morreu antes de completar um mês. Os pais eram primos legítimos. Apaixonada por matemática, Judite teve sua história contada nas páginas do Diario depois que estive em sua casa, em março de 2012, para entrevistá-la pela primeira vez. O encontro com a sertaneja de voz mansa e aperto de mão forte aconteceu no dia do meu aniversário. Conhecê-la, foi o meu presente. Moradora do Sítio Macambira, no distrito de Riacho do Meio, no município de São José do Egito, no Sertão do estado, Judite enfrentava uma verdadeira maratona até chegar à faculdade onde estudava, à noite, em Afogados da Ingazeira. Mas quem disse que ela não encarrou os desafios…

Apesar da dificuldade de locomoção e do pouco dinheiro, Judite fez questão de estudar. “Fico me matando quando escuto alguém dizer que matemática é um bicho-de-sete-cabeças. Tudo o que a gente faz nessa vida precisa de fazer uma conta”, ensinou Judite, ainda na nossa conversa em 2012. Da primeira vez que participou de uma Olimpíada Nacional de Matemática, ganhou medalha de bronze. E tem mais. Entre os irmãos, foi a primeira a chegar ao ensino superior. “Logo que nasci, algumas pessoas conhecidas da minha família disseram para minha mãe que eu não tinha tanta possibilidade de me criar. Que meu futuro seria do tipo limitado, como não andar, não falar, ser louca…”, conta Judite.

Durante dois anos e meio, a sertaneja saía de casa todos os dias no final de tarde para estudar. Em cima de uma moto Honda Biz, Judite era levada por algum parente até a rodovia onde pegava o ônibus para a faculdade. Dali, seguia cerca de 40 km no coletivo até chegar à Faculdade de Formação de Professores de Afogados da Ingazeira (Fafopai). Por ser deficiente física, havia conseguido uma bolsa integral e não pagava mensalidade da faculdade. O esforço e a dedicação de Judite logo ganharam destaque entre colegas e professores da instituição de ensino.

Ainda no mês de maio de 2012, em passagem pelo Sertão do Pajeú, o então governador Eduardo Campos foi apresentado a Judite por Danilo Cabral, que havia sido secretário de Educação no primeiro governo de Campos. Naquela oportunidade, após conhecer a história de Judite, Eduardo a convidou para tomar um café da manhã no Palácio do Campo das Princesas. A visita, no entanto, não chegou a ser feita porque logo depois o Palácio fechou para reformas. “Essa foi a última vez que eu encontrei com Eduardo Campos, mas dois anos depois ele voltou ao Sertão para inaugurar uma escola técnica aqui em São José do Egito e fez uma homenagem a mim. Disse que queria ter uma aula de matemática comigo depois que eu tivesse formada”, relambra Judite.

Até hoje, quando escuta o áudio com as declarações do ex-governador, Judite fica emocionada. Cinco meses depois de homenagear Judite, Eduardo Campos morreu num acidente aéreo que matou outras seis pessoas, no dia 13 de agosto de 2014, em Santos, Litoral Sul de São Paulo. “A morte dele mexeu muito comigo. Todas as vezes que chegava na faculdade não conseguia prestar atenção nas aulas. Na estrada, eu via os outdoors com a foto dele como candidato à Presidência e aquilo acabava comigo. Não iria poder cumprir o que ele pediu, que era lhe dar uma aula de matemática. Fiquei tão triste que tranquei a faculdade no 6º período”, conta Judite.

Mas como boa sertaneja que é, Judite, antes de tudo, é forte. No final de 2015, fez o Enem e usou sua nota para voltar a fazer o que mais gosta. E dessa vez mais longe de casa. Desde novembro do ano passado, está cursando Licenciatura em Matemática na Universidade Estadual da Paraíba, no Campus VII, na cidade de Patos. “Voltei para fazer o que eu amo. Meu sonho é defender a matemática”, desabafa Judite, que guarda com orgulho em seu quarto sua medalha de bronze, as duas placas de menção honrosa e os três certificados de participação na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP).