Dois pensadores saem em defesa do fracasso Lebrun e Pépin defendem que o erro, antes de ser vilão, é um professor que ensina o caminho certo

Luce Pereira
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Publicação: 06/01/2018 03:00

Aos sábados, sobretudo, bem cedinho, a praia dá a impressão de ser mais alegre, com fisionomias menos tensas (ainda há o domingo pela frente), o que parece estar traduzido no rosto tranquilo de pais que chegam arrastando crianças pelas mãos, cheios de um cuidado natural. Para quem, como eu, prefere observar o entorno, entre uma olhada e outra em direção à água, não pode existir nada tão interessante para adicionar mais algumas reflexões às muitas existentes sobre o comportamento humano. Se bem que fim de semana em frente ao mar, com um cenário incrível por testemunha, não estimula qualquer busca por verdades até certo ponto incômodas. Arrisco, assim mesmo. No último sábado, antes do Natal, os questionamentos surgiram mais irresistíveis depois de reler uma entrevista do médico, psicanalista e psiquiatra belga Jean-Pierre Lebrun, um dos fundadores da Associação Lacaniana Internacional, que aconselhava: “Ensinem os filhos a falhar”. E fiquei pensando, o coco entre as mãos, em quantos daqueles pais não estranhariam um conselho desta natureza, considerando que eles mesmos foram criados (e cobrados) para “dar certo”. A tendência daquela geração de pais e mães era proteger (até excessivamente) e evitar que o rebento experimentasse o gosto do fracasso. No entanto, amargo mesmo terminava sendo o preço: medo e insegurança.

“Uma coisa certa na vida é que as crianças vão falhar, não há como ser diferente. Quando os pais, a família e a sociedade dizem o tempo todo que é preciso conseguir, conseguir, conseguir, massacram os filhos. É inescapável errar. Todo mundo, em algum momento, vai passar por isso. Aprender a lidar com o fracasso evita que ele se torne algo destrutivo”. Achei particularmente relevante esta observação. Lebrun considera perigoso e injusto que os rebentos se tornem um indicador do sucesso de quem os gerou ou criou, pois além das próprias angústias ainda têm que suportar a tristeza de falhar em relação à expectativa que foi depositada neles.

Praticamente “assinando embaixo” da defesa que o belga faz do “direito” e do benefício de errar, o filósofo francês Charles Pépin, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, quer jogar por terra a ideia de fracasso tal como vem sendo encarada desde o início da civilização – fonte de medo e vergonha. Ao contrário, acredita que experimentá-lo é o que nos dá a dimensão do humano e que a inteligência de uma pessoa deve ser medida pela capacidade que tem de analisar e corrigir seus tropeços. O conjunto destas ideias, que Pépin defende em muitas conferências, ganhou o nome de As virtudes do fracasso, mas a obra ainda não chegou ao Brasil. Estima-se que esteja disponível por aqui ainda este ano, ensinando outra maneira de lidar com o desapontamento, afinal, de vilão ele não tem nada. “Errar é necessário para entender nossos desejos”, crava o filósofo, que no livro traz uma lista de celebridades para as quais o sucesso só veio depois de muitas tentativas e erros. Aguardemos. Nem digo conhecer a obra dos dois, mas ler o prometido livro já seria um sinal de simpatia pela proposta de mudança de atitude. Que pais, ali, se habilitariam? - pensei. O futuro que responda.