O cérebro, uma maravilha para quem sabe usá-lo Neurocientista diz que em 30 anos saberemos como funciona a mais misteriosa região do corpo

Luce Pereira (texto)
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Publicação: 31/01/2018 03:00

Sob aspecto nenhum o momento favorece a que pensemos sobre o que poderia ser o mundo à luz lançada pela ciência sobre ele. Com o carnaval à porta e a surpreendente incapacidade de reagir a desmandos e catástrofes políticos, lembramos apenas cordeiros tocados pela vara mecânica dos dias, ansiosos somente pela trégua que se avizinha, trazida por Momo. Lá fora, no entanto, o movimento é outro, justamente no sentido de descobrir como tornar as pessoas mais conscientes a respeito do universo fascinante que é o cérebro humano. Embora a tendência a cada dia seja de que menos gente desconfie disso, cientistas como o neurocirurgião mexicano Tomás Ortiz Alonso tomam-se de paixão e dedicação pelo tema – no caso dele, há quatro décadas – e produzem reflexões riquíssimas, embora ainda leve, na opinião do próprio, uns bons 30 anos para que tenha fim o maior de todos os mistérios: como funciona a mais espetacular e complexa parte do corpo humano.

Na entrevista especial concedida a El Pais Brasil, Alonso, especialista em programas neuroeducacionais, começa por desconstruir crença sustentada por Aristóteles, que colocava o coração como área onde estariam as funções cognitivas do indivíduo, responsáveis por selecionar, armazenar, elaborar e recuperar informações do meio. Assim, o erro acabaria por eternizar uma das expressões mais utilizadas por quem se sente profundamente ligado a outra pessoa: “Eu te amo do fundo do meu coração”. Na verdade, depois de tantas constatações da ciência em contrário, o certo seria um pequeno reparo na declaração de amor ou afeto: “Eu te amo do fundo do meu hipotálamo”. A falta de hábito pode até tornar a frase nada romântica e até risível, mas não traduz nenhuma inverdade, o mesmo não se podendo dizer do mito de que o cérebro precisa de ócio. Para o cientista, a máquina não para nem enquanto o indivíduo dorme e o que necessita mesmo é de sete ou mais horas de sono para depois poder dar carga total.

Compreensivelmente nada simpático ao conceito de “inteligência emocional”, Alonso defende a teoria de que um cérebro submetido a estresse é como se sob intenso ruído, cuja consequência maior seria ter limitado o desenvolvimento de capacidades. “Um pensamento insistente, que está constantemente se introduzindo no que você faz, distorce e te impede de atuar com qualidade”, disse ele, que aposta no sorriso como algo extremamente positivo para o cérebro. Tanto que a sala onde dá aula, na Universidade Complutense de Madri, tem colados às paredes inúmeros sorrisos. Ao levantar a cabeça em direção ao professor, os alunos logo veem as figuras e elas os levam a produzir uma reação/resposta positiva. Ou seja, estímulos corretos facilitam muito o aprendizado.

Focado na educação de crianças, sobretudo, o professor acredita que o ensino à base de brincadeiras abre espaço à compreensão dos conteúdos, porém exige um tempo maior, que é o que mais falta na vida moderna. Os projetos aos quais se dedica, atualmente (um deles em Buenos Aires), pretendem contribuir para ativar os mecanismos cerebrais dos pequenos e assim, em termos bem simplificados, facilitar e acelerar o processo de aprendizagem. Trabalho de suma importância na área de neuroeducação infantil, pois estímulos no tamanho e na frequência certos podem produzir respostas excelentes. “A diferença entre um cérebro que se exercita na escola de forma ordenada, regular e sustentável e outro que não o faz é a mesma que existe entre uma árvore vista no outono e na primavera”. Pensemos nisso, mesmo com o carnaval à porta, porque ele vai embora, mas os desafios ficam.