O tempo dá a corda e o mundo nos põe sobre ela Na maturidade, a exigência por equilíbrio aumenta. É preciso desconstruir, reaprender, ressignificar

Luce Pereira
lucepereirajornalista@gmail.com

Publicação: 20/01/2018 03:00

A ideia de que a maturidade é um reino governado pela sabedoria e o apaziguamento rui a cada dia, diferentemente das décadas nas quais a“decretação” formal do envelhecimento funcionava como uma reconciliação com a vida. Ali as pessoas se sentiam satisfeitas por ter sobrevivido aos solavancos, usando o que aprenderam estrada afora, e a experiência adquirida acabava considerada um triunfo sobre as asperezas do tempo. Era evidente: transformavam-se numa espécie de oráculo, símbolo de respeito e conhecimento consumado. No entanto, as voltas que o mundo dá mistura tudo, traz novas feições, derruba hábitos, obriga a recriar, reinventar e, sobretudo, a sair da zona de conforto. É preciso reaprender, rever valores e atitudes, ressignificar boa parte do legado dos anos. E àquela altura.

Atordoante. Perceber que nem mesmo a velha forma de se relacionar afetivamente sobrevive nos dias de hoje é atordoante. A individualidade dá as cartas e não admite invasão em terrenos considerados sagrados pelas pessoas envolvidas na relação. Negocia-se pouco, impõe-se muito, tolera-se cada vez menos. O fluir dos sentimentos encontra tantas barreiras pela frente que a morte deles segue como uma sombra ao lado da promessa de irem além. Há que reeducar-se, inclusive neste terreno. Dar-se, mas “nem tanto ao mar nem tanto à terra”, ainda mais com tantos mísseis mirando o amor romântico, que sempre levou a excessos e ruínas, na opinião de renomados estudiosos da psicologia do comportamento. “Não é o amor que sustenta a relação, mas a forma de se relacionar é que sustenta o amor”, insistem, propondo entendimento, gentileza e companheirismo entre as partes, mas na mesma proporção de privacidade e respeito pelo que o outro é e deseja. A exigência de um equilíbrio que, no fim das contas, acaba levando à opção pela solitude, estado no qual a pessoa só vê obrigada a agradar a si mesma.

Nem comer está correto. Há que corrigir, abrir mão, adicionar, trocar, nunca mais do mesmo jeito que sempre foi. Isto se a ambição é viver um pouco mais e melhor. Ao lado da reeducação sentimental, a alimentar e a do comportamento, que estabelece uma seleção natural: a capacidade da pessoa de se ver como necessária não pelo já fez, mas pelo que ainda é capaz de fazer. Os que ousam seguem no jogo e os que não, apenas assistindo. Ainda há a pena de cair no ridículo e no descrédito aqueles que se descuidam do equilíbrio e insistem em caber em um figurino inadequado. Personalidade é um santo remédio para alargar o caminho, mas não tê-la implica em ameaça de esquecimento.

Há que convir, exigência constante por equilíbrio desgasta enormemente, mas existe, entre os maduros vindos da geração apaixonada por quebra de paradigmas, aqueles que não se rendem. Simplesmente rebelam-se e dizem não com a maior facilidade, indiferentes a qualquer julgamento. São os malditos, os que preferem capitular apenas diante das próprias verdades enquanto riem das que o mundo inventa. Infelizmente, não refletem a maioria, mas que bom que resistem. Ao fincar o pé defendendo suas crenças e valores, ensinam que cada um pode e deve escolher a forma de levar/estar na vida. Malditos, não: benditos sejam.