Tensão de volta à Faixa de Gaza Área dominada há dez anos pelo Hamas sofre o agravamento das crises política e econômica

Adel ZAANOUN
AGENCIA FRANCE-PRESSE

Publicação: 24/06/2017 03:00

Falta de energia elétrica, disputas entre palestinos revividas, incertezas sobre o Catar: analistas e autoridades advertem contra uma nova explosão na Faixa de Gaza, dominada com mão de ferro há dez anos pelo Hamas. Em 15 de junho de 2007, o movimento islâmico assumiu o controle deste pequeno território encravado entre Israel, Egito e o Mediterrâneo, ao custo de uma quase guerra civil com seu rival Fatah.

Dez anos depois, o bloqueio israelense segue em vigor, a fronteira egípcia está fechada e três guerras opuseram Israel ao Hamas e seus aliados locais. “Aqueles que pagam o preço mais elevado são os habitantes de Gaza”, afirma o ativista de direitos humanos Hamdi Chaqura, enquanto a reconstrução do enclave se arrasta, quase metade da força de trabalho está desempregada e mais de três quartos dos habitantes depende de ajuda humanitária.

O fechamento das fronteiras e a destruição de grande parte dos túneis de contrabando para o Egito afundaram a economia de Gaza, uma crise agravada pela divisão política e geográfica resultante do confronto entre o Hamas e a Autoridade Palestina. Este último, estabelecido a algumas dezenas de quilômetros de distância, na Cisjordânia ocupada, parece ter decidido pressionar o Hamas: em abril, reduziu a remuneração do seu pessoal que permaneceu em Gaza.

De modo que, em pleno mês do Ramadã, habitualmente bom para o comércio, o marasmo reina. “Ninguém compra ou vende desde que os funcionários públicos pararam de fazer girar os mercados”, lamenta Nahed Abou Salem, que tem uma loja de doces no enorme campo de refugiados de Jabalia. “De qualquer forma, não podemos produzir sem eletricidade”, acrescenta Aed Hassuna, vendedor de café de 34 anos. Todos os dias, o gerador que alimenta seus moinhos de grãos custam 300 shekels, cerca de 75 euros, um sistema absolutamente não rentável.

Os habitantes com melhores condições de vida não têm mais do que três ou quatro horas de eletricidade por dia. Mas Israel, principal fornecedor de energia para o território, apesar do bloqueio, irá reduzir o fornecimento. Por iniciativa da Autoridade Palestina, segundo as autoridades israelenses, que cooperam com ela enquanto o Hamas é para eles, como é para os Estados Unidos e para a União Europeia, uma organização “terrorista”.

Os moradores de Gaza correm o risco de ter apenas duas horas de eletricidade por dia. Neste cenário, os hospitais e instalações de tratamento de água podem parar. Significa um “colapso do sistema” que ameaça toda a Gaza, adverte o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). Até agora, o Catar, que apoia o Hamas, injetava fundos a cada crise. O rico emirado também assegurava a construção ou reconstrução de grande parte da infraestrutura e recentemente lançou a construção de novas cidades.

Mas Doha enfrenta atualmente uma grave crise diplomática. Seus vizinhos do Golfo fazem pressão para que rompa relações com os movimentos que considera “terroristas” e o Hamas. Neste caso, “os grandes perdedores, somos nós. Somos nós que pagaremos o preço”, prevê Ahmed Youssef, um líder do Hamas que pede diálogo e moderação.

Em maio, o Hamas incluiu esta moderação ao seu texto fundador, acrescentando um documento político que, como esperam seus líderes, lhe permitiria voltar para o jogo das negociações internacionais. Mas, enquanto perdeu nos últimos anos o apoio da Síria e do Egito, o Hamas, mais isolado do que nunca, deve agora lidar com a Autoridade Palestina, pressionada por Arábia Saudita e Egito.

Em um ambiente onde, para os jovens, “a morte é melhor do que viver”, nas palavras de Ahmed Youssef, a eletricidade tem sido nos últimos anos o único assunto que provocou protestos anti-Hamas, imediatamente reprimidos. Agora, a questão é saber se o Hamas irá desviar as tensões internas contra Israel.

O Hamas

Estas são as datas-chave do movimento islamita palestino, arqui-inimigo de Israel, que há 10 anos tomou à força o poder na Faixa de Gaza.

A “carta” de fundação
Um grupo de militantes islamitas vinculados ao movimento da Irmandade Muçulmana, entre eles o xeque Ahmed Yassin, criou o Hamas em 14 de dezembro de 1987. O Hamas foi fundado para se opor à Jihad Islâmica, uma pequena organização militar. Em 18 de agosto de 1988, o movimento redigiu a sua “carta” fundadora. Neste documento defendia a instauração de um Estado islâmico no conjunto da Palestina histórica (Territórios Palestinos e Israel).

Primeiro atentado suicida
Em 1990, o Hamas criou o seu “braço armado”. Em 14 de setembro de 1993, um dia depois da assinatura dos Acordos de Oslo sobre a autonomia palestina, 300 militantes do Hamas se manifestaram contra este pacto e advogaram por continuar os ataques contra o exército israelense. No mesmo dia, o Hamas executou em Gaza o seu primeiro atentado suicida. As brigadas realizaram ataques sangrentos contra militares e civis israelenses, além de terem assassinado inúmeros palestinos suspeitos de colaborar com Israel.

Assassinatos
Em 22 de março de 2004, o líder espiritual do Hamas, o xeque Ahmed Yassin, morreu em um ataque de um helicóptero israelense em Gaza. Menos de um mês depois, seu sucessor à frente do movimento, Ábdel Aziz Rantisi, também faleceu em um bombardeio israelense. Vários dirigentes políticos e militares do Hamas foram vítimas de assassinatos realizados por Israel, entre eles Yahya Ayyash, que faleceu em 1996, e o líder militar do movimento e fundador das brigadas Qassam, Salah Shehade, morto em 2002.

Hamas se apodera de Gaza
Em 12 de setembro de 2005, três semanas depois de desmantelar a última colônia na Faixa de Gaza, o exército israelense retirou de forma unilateral o seu último soldado. Em 25 de janeiro de 2006, o Hamas ganhou amplamente as legislativas palestinas no enclave contra a Frente al-Fatah, o movimento do presidente palestino Mahmud Abbas. Dez anos antes, o Hamas boicotou as primeiras eleições organizadas nos Territórios Palestinos e o Fatah conseguiu a maioria absoluta no Parlamento. Em 15 de junho de 2007, no início de um conflito entre os serviços de segurança leais ao Fatah e os islamitas, o Hamas tomou o controle da Faixa de Gaza e Israel reforçou o seu bloqueio no enclave palestino.

Combate “político”, não “religioso”
Em 13 de fevereiro de 2017, um comandante do braço armado, Yahya Sinuar, foi eleito chefe do Hamas para Gaza. Em 1º de maio, pela primeira vez em sua história, o Hamas anunciou uma reforma de sua carta fundadora. No novo documento, o movimento afirma realizar um combate “político” e não “religioso” contra Israel, e aceita a ideia de um futuro Estado palestino limitado aos territórios atuais da Cisjordânia, Jerusalém leste e Gaza. Em 6 de maio, Ismail Haniya foi eleito à frente do gabinete político do Hamas, sucedendo Khalid Meshal. Os dois encarnam uma linha moderada no seio do movimento, mais pragmática em sua relação com Israel.