ANáLISE DA NOTíCIA » A terceira guerra mundial

Thales Castro // Cientista político e internacionalista

Publicação: 16/04/2018 09:00

Logo de pronto, afirmo que não vejo a Síria como provável estopim para uma terceira grande guerra mundial. O título deste breve ensaio tem o objetivo, contudo, de chamar atenção para o xadrez sírio na política internacional, diante dos bombardeios nestes últimos dias, por parte dos EUA com apoio da França e Reino Unido.

O território da Síria representa arranjo geopolítico artificial com origem no mandato francês após a primeira guerra mundial (1914-1918). Independente em 1946, a Síria experimentou poucos momentos de estabilidade e paz. Inspirada pelo nacionalismo pan-arabista, a Síria tentou uma união fracassada com o Egito (1958-1961) por meio da República Árabe Unida. A Síria está fraturada em três grandes segmentos: o exército leal a Bashar al Assad, os rebeldes da Coalização Nacional Síria, reconhecida por mais de 130 países como legítima, e as ações terroristas do Estado Islâmico e da Al Nursa. Atualmente, detentora de área estratégica em razão da passagem de oleodutos para o ocidente, a Síria é tema sensível para a gestão Trump e para a ONU.

Em razão de vetos russos sobre a guerra civil síria no Conselho de Segurança da ONU desde 2011, a ação dos P3 (Frente Ocidental composta por EUA, França e Reino Unido no Conselho de Segurança) é reação também ao envenenamento do espião russo Serguei Skripal e mostra musculatura da aliança atlântica contra o eixo Moscou-Damasco. Além disso, reforça a união militar dos P3 contra as ações criminosas do regime de Assad com armas químicas contra sua própria população. Mesmo sem o aval do sistema multilateral e à revelia do Direito Internacional, acredito que os bombardeios concebidos por “cirúrgicos” são respostas à opinião pública, sobretudo conservadora nestes países, que clamava por uma punição à ditadura de Assad.

Os pronunciamentos de justificativa para os bombardeios por parte da primeira-ministra inglesa do Partido Conservador, Theresa May, e do presidente Trump na sexta-feira são bastante reveladores: no fundo, esse alinhamento mostra que, diante da paralisia da ONU, os dois países decidiram agir em nome da comunidade internacional. A guerra civil na Síria, agora em seu sétimo ano, já exportou milhões de refugiados para a Europa e para países vizinhos do Oriente Médio e revela a face mais cruenta para a população civil que sofre, brutalmente, com a crise humanitária. Percebemos que os ares da Primavera Árabe, iniciada em 2011 na Tunísia com a queda de Ben Ali, não atingiram a Síria e dificilmente irão gerar mudança de regime em Damasco. Teremos, desta forma, ainda mais encruzilhadas e dilemas para a ONU e para os P3. Não vejo solução fácil e viável para esta persistente crise. Creio, por fim, que é necessário ter equilíbrio entre os princípios do Direito Internacional, expressos na Carta da ONU, com as razões de estado no pensamento realista da geopolítica dos P3. Estamos diante de uma nova guerra fria contra a Rússia: não creio. Embora não seja estopim para uma terceira guerra mundial, a Síria vai continuar produzindo, em escala maiúscula, sofrimento e dilemas para todos nesta aldeia global que, muitas vezes, fecha os olhos para a verdadeira tragédia anunciada – nada de novo debaixo do sol.