DIARIO EM BERLIM » A força dos jornais alemães

por Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Publicação: 13/09/2019 03:00

O sistema alemão fundamenta-se nos princípios de independência, objetividade e qualidade do jornalismo, para cuja preservação foi idealizado um conselho de imprensa como forma de autorregulamentação. Esse conselho tem representantes públicos e privados, entre os quais a Federação Alemã de Jornalistas, todos membros voluntários. O conselho produz um código de conduta que deve ser seguido voluntariamente por jornalistas e órgãos de comunicação. Qualquer cidadão pode formular queixa perante o conselho contra notícias falsas ou com mensagens de ódio. As denúncias procedentes contra os órgãos que as publicarem dão ensejo à obrigação de publicação da censura pelo próprio veículo infrator, o que é percebido como algo muito negativo para a sua reputação. Trata-se muito mais de uma sanção reputacional. Recentemente o conselho expediu uma reprimenda contra o Bild, o jornal de maior circulação do país, considerado de linha conservadora sensacionalista. O presidente da Associação Nacional de Imprensa, Hendrick Zorner, havia-nos dito, há poucos dias, que o Bild não estava mais publicando as sanções do Conselho. Como depois tivemos uma reunião com o Ombundsman do Bild, o professor Ernst Elitz, perguntamos porque eles desconsideravam as decisões do Conselho. Habilmente, ele limitou-se a dizer que antes publicava, mas com uma nota editorial expressando novamente o ponto de vista do jornal.

Aí, segundo ele, o conselho deixou de se interessar pelo Bild. Na verdade, o Bild é um jornal que atrai muita atenção. Por várias razões. Primeiro porque continua com uma tiragem de impressionantes 1,5 milhão de exemplares todos os dias. Depois porque parece estar transitando de um modelo de exagerado apelo sensacionalista para outro de maior apelo quanto ao conteúdo das matérias. Segundo nos contou o seu Ombundman, o Bild concede espaços a setores que não conseguem se expressar através dos demais jornais. Como, por exemplo, na questão dos migrantes e refugiados. Eles tendem a dar voz aos setores que não concordam com a abertura alemã aos migrantes. E, por isso, segundo ele, o jornal é acusado de conservador pelos setores que gostariam de ver mantida a política de aceitação e integração dos migrantes. Essa linha editorial, para ele, não impede que o Bild produza um jornalismo objetivo, com análises e ‘fact-checking’ para evitar as ‘fake news’. O exemplo do jornal Bild bem demonstra a resiliência do jornalismo alemão. Apesar do declínio, os números de exemplares impressos ainda impressionam. Como é o caso do Bild com seu 1,5 milhão de exemplares vendidos diariamente a 0,90 euros. Ou o do Frankfurter Allgemeine, com 230 mil cópias vendidas a 2,90 euros por dia. Ou o do Die Welt, com 180 mil cópias diárias vendidas ao preço de 2,80 euros. Como jornalismo de qualidade demanda despesa alta, o grande problema naturalmente segue sendo o do financiamento da produção de bom conteúdo. Perguntei ao prof. Ernest Elitz sobre as principais fontes de receita do Bild.

À sua resposta de que 70% provêm da venda de exemplares avulsos e assinaturas, com apenas 30% vindo da publicidade, ele logo acrescentou a previsão de diminuição relativa desta última fonte. Ainda para o professor, o Bild e os demais jornais estão se concentrando em aumentar as fontes das receitas on-line. E, como todos reconhecem, essas ainda estão demasiadamente concentradas nas plataformas gigantes Google, Facebook e outras.