A grande beleza em bom português

Luiz Montenegro
Publicitário %u2013 Diretor-Presidente da MMS Comunicação
luiz@mms.com.br

Publicação: 24/07/2015 03:00

Cada país, cidade ou grupo social tem as suas peculiaridades, seus hábitos e costumes e, o Brasil tem uma penca deles. Aqui, parto normal é anormal. A lista é grande, desde coisas mais prosaicas, como o uísque com água de coco (que os bovaristas torcem o nariz) até o costume de ver filme com legendas.
No chamado Primeiro Mundo, é difícil um filme de língua estrangeira entrar no circuito comercial sem que antes seja dublado. Simplesmente porque o mercado rejeita as legendas. Aliás, na Espanha, é até lei, desde a década de 1970. Muitos alegam não abrir mão de ouvir a voz dos seus atores preferidos mesmo que, nem consigam apreciar devidamente a atuação deles, que dirá o esmero de uma excelente produção.
O mais interessante é que é tão natural que, ai de quem sugerir ver um filme dublado. A palavra dublado iguala-se a um palavrão em Imax-4D. Certamente, a raiz dessa nossa ojeriza esteja na pré-história da dublagem em nosso país. As emissoras de TV, buscando uma alternativa às legendas (pois era muito difícil alguém ler numa tela de tubo de 21 polegadas, em média), passaram a exibir filmes dublados sem o cuidado necessário que essa tecnologia tão complexa exige. É por isso, que ainda ranjo os dentes ao ouvir aquela locução fora de tom (pra mim, infame) “Versão brasileira..”.
Mas, hoje, o nível das nossas dublagens está no mesmo patamar das que são feitas na Europa e nos EUA. Até porque, os produtores e diretores buscam manter um padrão de qualidade global.
Claro que a legenda é importante até mesmo pela simples curiosidade de se ouvir o idioma original. Além de que soaria até ridículo, por exemplo, num documentário sobre a descoberta de uma tribo isolada da Amazônia, um deles aparecer falando português.
Ano passado, assisti no cinema ao filme italiano A Grande Beleza, do Paolo Sorrentino, legendado. Apesar da excelente produção, os diálogos me pareceram enfadonhos. A película ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e resolvi rever, desta vez, em blu-ray. Como tinha a opção dublado, resolvi assistir em português. Aí, a experiência foi outra. Da magistral atuação do Toni Servillo, passando pelos tipos fellinianos, à excelente fotografia, tudo me pareceu extraordinário. E, claro, aqueles diálogos nem de longe eram enfadonhos. Cheios de sutilezas e críticas veladas a uma sociedade fútil e sem valores, personificadas em personagens lascivos e sorumbáticos.
Tudo havia se perdido na leitura das estressantes legendas espremidas numa equação onde o resumo da fala + duração da cena + tempo médio de leitura é igual a dois segundos. Ou seja, só dava mesmo pra exibir fragmentos das conversas e com o agravante de se perder todo o resto da informação contida nas cenas. Para quem gosta de cinema produzido ao redor do mundo e não é fluente em italiano, japonês, persa, francês, mandarim, espanhol, russo, polonês, turco e, claro, inglês, sugiro que, em nome da grande invenção que uniu o som à imagem, dê uma chance ao dublado, pois assim, se a experiência não for completa, você pelo menos verá o filme.