José Paulo Cavalcanti Filho
jurista
jp@jpc.com.br
Publicação: 24/02/2016 03:00
Lembro do amigo Mickel Sava Nicoloff, saudades dele. E lembro, também, passagem do livro (excepcional livro) de Rostand Paraiso (O Recife e a II Guerra Mundial), com o autor nos dando conta de que “um grupo de tripulantes de um corsário alemão, afundado em nossas costas... seria enviado para um campo de concentração existente, ninguém sabia onde, no Nordeste”. Adiante, Rostand teve “a confirmação de que aquele campo havia, realmente, existido; tendo funcionado, de novembro de 1942 a maio de 1945, em terras da Fábrica de Tecidos Paulista, de propriedade dos Lundgren”. Mas o que liga Mickel a esse campo de concentração?, eis a questão. Para responder, é preciso voltar no tempo.
A história do eminente advogado Mickel Sava Nicoloff é (quase) inacreditável. O seu avô, general Sava von Nicoloff, era ajudante de ordens do marechal Hindenburg, na Primeira Guerra. Depois, Hindenburg foi presidente da Alemanha (Hitler era só primeiro-ministro). Sendo hoje mais conhecido, assim quis o destino, como nome de um Zeppelin que, em 6.5.1937, pegou fogo e matou 35 pessoas na base naval de Lakehurst - Nova Jersey (Estados Unidos).
Finda essa guerra, o filho do tal general Sava von Nicoloff, batizado Mickel Nicoloff (que, mais tarde, seria pai do amigo Mickel), decidiu viajar pelo mundo. E assim foi por quase dois anos. Dando-se que, nessas andanças, acabou se apaixonando por uma morena de Caruaru. Maria das Graças. “O coração tem razões”... Depois, casados, voltaram a Berlim. O pai do nosso Mickel ligou para sua mãe, Sicha. E ela marcou encontro para dois dias depois, na sua casa, às 16 hs. As culturas são mesmo diferentes. Aqui, qualquer filho iria direto vê-la. Sem nem avisar. Seja.
Chegaram. Lá estavam mãe, tios e primos. O pai de Mickel entrou na casa com um cigarro aceso entre os dedos. A mãe lhe disse, contrariada: “Já se viu que você nasceu para casar com uma índia” (assim qualificou a mulher que o pai de Mickel tinha do lado). “Mas em casa de pessoas de bem não se entra fumando. Saia, jogue o cigarro fora e venha me dar um beijo”.
Saíram. Já na calçada, o futuro pai de Mickel jogou fora o guimba. Foi quando sua futura mãe olhou para o marido e disse: “Se você entrar nessa casa de novo, nunca mais vai me ver”. O pai disse que não fazia questão mesmo. Pegou no chão a ponta do cigarro ainda aceso, deu uma tragada e foram embora. Aquele beijo não seria dado. Depois a mãe Sicha foi morar na Bulgária. E nunca mais se viram. “Acima dos Deuses o Destino é calmo e inexorável” - escreveu, em uma Ode, Ricardo Reis (Fernando Pessoa).
Mickel Sava Nicoloff nasceu em Berlim, numa Alemanha que já se preparava para a (Segunda) Guerra. O pai ganhava o pão de cada dia se exibindo nos circos, em espetáculos de luta grego-romana, tendo como parceiro um dos filhos de Floriano Peixoto - antigo presidente do Brasil (1891-1894). Assim se deu até quando, ante a proximidade da guerra, e com uma criança para criar, decidiram seus pais que melhor seria voltar ao Brasil.
Aqui viveram sem problemas. Até o dia em que policiais bateram na porta da casa. E pediram que o pai de Mickel (alemão, só para lembrar) os acompanhasse. A mãe levou o marido até a porta e lhe deu um derradeiro beijo. Seria o último em suas vidas. Depois voltou, entrou no quarto, e saiu toda vestida de preto. Preto de luto. Nunca mais ninguém a viu com outras vestes. Usou preto, sempre, até morrer. E o pai de Mickel nunca mais voltou. (continua)
A história do eminente advogado Mickel Sava Nicoloff é (quase) inacreditável. O seu avô, general Sava von Nicoloff, era ajudante de ordens do marechal Hindenburg, na Primeira Guerra. Depois, Hindenburg foi presidente da Alemanha (Hitler era só primeiro-ministro). Sendo hoje mais conhecido, assim quis o destino, como nome de um Zeppelin que, em 6.5.1937, pegou fogo e matou 35 pessoas na base naval de Lakehurst - Nova Jersey (Estados Unidos).
Finda essa guerra, o filho do tal general Sava von Nicoloff, batizado Mickel Nicoloff (que, mais tarde, seria pai do amigo Mickel), decidiu viajar pelo mundo. E assim foi por quase dois anos. Dando-se que, nessas andanças, acabou se apaixonando por uma morena de Caruaru. Maria das Graças. “O coração tem razões”... Depois, casados, voltaram a Berlim. O pai do nosso Mickel ligou para sua mãe, Sicha. E ela marcou encontro para dois dias depois, na sua casa, às 16 hs. As culturas são mesmo diferentes. Aqui, qualquer filho iria direto vê-la. Sem nem avisar. Seja.
Chegaram. Lá estavam mãe, tios e primos. O pai de Mickel entrou na casa com um cigarro aceso entre os dedos. A mãe lhe disse, contrariada: “Já se viu que você nasceu para casar com uma índia” (assim qualificou a mulher que o pai de Mickel tinha do lado). “Mas em casa de pessoas de bem não se entra fumando. Saia, jogue o cigarro fora e venha me dar um beijo”.
Saíram. Já na calçada, o futuro pai de Mickel jogou fora o guimba. Foi quando sua futura mãe olhou para o marido e disse: “Se você entrar nessa casa de novo, nunca mais vai me ver”. O pai disse que não fazia questão mesmo. Pegou no chão a ponta do cigarro ainda aceso, deu uma tragada e foram embora. Aquele beijo não seria dado. Depois a mãe Sicha foi morar na Bulgária. E nunca mais se viram. “Acima dos Deuses o Destino é calmo e inexorável” - escreveu, em uma Ode, Ricardo Reis (Fernando Pessoa).
Mickel Sava Nicoloff nasceu em Berlim, numa Alemanha que já se preparava para a (Segunda) Guerra. O pai ganhava o pão de cada dia se exibindo nos circos, em espetáculos de luta grego-romana, tendo como parceiro um dos filhos de Floriano Peixoto - antigo presidente do Brasil (1891-1894). Assim se deu até quando, ante a proximidade da guerra, e com uma criança para criar, decidiram seus pais que melhor seria voltar ao Brasil.
Aqui viveram sem problemas. Até o dia em que policiais bateram na porta da casa. E pediram que o pai de Mickel (alemão, só para lembrar) os acompanhasse. A mãe levou o marido até a porta e lhe deu um derradeiro beijo. Seria o último em suas vidas. Depois voltou, entrou no quarto, e saiu toda vestida de preto. Preto de luto. Nunca mais ninguém a viu com outras vestes. Usou preto, sempre, até morrer. E o pai de Mickel nunca mais voltou. (continua)