Contraditório Você é a favor da PEC que limita os gastos públicos?

Publicação: 03/09/2016 03:00

Sim - Tiago Cavalcanti
Economista e professor da Universidade de Cambridge e FGV-SP

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que limita o gasto público federal a partir de 2017, ajustado pela inflação do ano anterior, reacendeu o debate sobre o tamanho do Estado. Apesar das incertezas quanto aos efeitos dessa PEC, a evidência (déficit primário de R$ 170 bilhões e alto custo – taxa de juros - de emissão de novos títulos), é incontestável que a atual trajetória da dívida pública federal, que deve chegar a 74% do PIB este ano e com tendência crescente, é explosiva.

Essa grave situação fiscal é, em parte, devida à desorganização das contas públicas durante o governo da presidente Dilma, que levou a perda do nosso grau de investimento, mas parte também é estrutural e explicada pelo fato de as despesas do governo crescerem mais do que o PIB nos últimos 25 anos. Nesse período, a expansão real do gasto público primário (que exclui pagamento de juros) foi de 6% ao ano, enquanto o PIB registrou uma taxa de crescimento anual de menos de 3,5%. A diferença foi coberta através de aumento de impostos e crescimento da dívida. Entretanto, agora, estamos no limite. Além dos problemas já mencionados a respeito da nossa dívida soberana, a carga tributária brasileira, de 35% do PIB, é elevadíssima em comparação com países com mesmo nível de desenvolvimento (ex., no Chile é 18%), o que afeta a competitividade do nosso setor produtivo.

É dentro deste contexto que esta PEC vem sendo motivada. Em um ambiente onde o Estado tributa de forma eficiente e usa sua receita a fim de melhorar a infraestrutura pública, garantir a segurança e combater as desigualdades sociais, através de investimentos na saúde e educação, é evidente que esta PEC é desnecessária. É patente também que o Brasil ainda necessita de mais investimentos na área social. Porém, em um contexto de Estado inchado, onde o sonho da maioria dos nossos melhores talentos é um emprego no setor público, devido à estabilidade e sua maior remuneração relativa, aposentadorias aos 55 anos, universidades horizontalmente gratuitas, incluindo para filhos de ricos, desonerações tributárias para grupos com alto poder de lobby e diversos subsídios, me parece que esta PEC é altamente necessária.

Além de ter o objetivo de resgatar a solvência pública, a PEC do limite dos gastos tende a ser um instrumento importante para buscarmos uma avaliação sistemática dos gastos governamentais. Necessitamos, por exemplo, de mais investimentos em educação infantil, onde o retorno é elevado, mas já o Pronatec tem qualidade duvidosa. Será que precisamos de novas estatais, como aconteceu com a criação da Valec e da estatal do pré-sal (PPSA)? Perdeu-se o conceito de custo de oportunidade na alocação dos recursos do nosso Estado. Por fim, mas não menos importante, essa PEC tende a acelerar as reformas fundamentais para o progresso sustentável do Brasil, como a reforma da previdência e o programa de concessão de infraestrutura. O Brasil gasta o mesmo que o Japão com a previdência em proporção da renda, mas com uma população bem mais jovem! A estabilidade da relação dívida/PIB teria efeito de reduzir de forma contínua a taxa de juros, aumentado o investimento e sobrando mais recursos para a área social. Foi essa a estratégia de Lula até 2010. A viabilização política da PEC pode ter efeitos positivos e duradouros para nosso desenvolvimento, assim como aconteceu com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que foi duramente criticada pelo PT e alguns economistas na época de sua aprovação.

Não - Paulo Rubem Santiago
Professor da UFPE - integra o Projeto Raiz Cidadanista


“Ver as coisas por fora é fácil e vão, porque por dentro das coisas é que as coisas são” (Carlos Queiróz, poeta português, 1907-1949). Com esse verso revelamos a farsa por trás das medidas de ajuste fiscal propostas por Temer e Meirelles ao Congresso Nacional nesse momento. Refiro-me à tramitação da Proposta de Emenda Constitucional 241 que se associa ao Projeto de Lei Complementar 257, enviado pela Presidente Dilma Rousseff em março último.

A primeira proposição pretende que o crescimento do gasto público no país, pelos próximos vinte anos, esteja atrelado, pura e simplesmente, a um índice de preços, o IPCA, do ano anterior. Com isso, na prática, parte-se do pressuposto que nosso padrão atual de gastos é suficiente para promovermos o combate às desigualdades nacionais e regionais, por um país justo e desenvolvido. Nada há nessas medidas contra o déficit público nada que fortaleça receitas, aproximando nosso padrão tributário dos países que praticam justiça fiscal e progressividade como Noruega, Finlândia, Dinamarca, Suécia e Alemanha, por exemplo.

Além disso, de forma diversa de seu objetivo principal, a PEC 241 em seu artigo 2º revoga as regras de outra Emenda Constitucional, a 86, aprovada em 2015. Que regras são essas? Estabelecem uma progressão para a aplicação dos recursos públicos em saúde, partindo de 2017 para chegar a 2020 com 15% da receita corrente líquida. Por que se revogam as diretrizes para o financiamento progressivo da saúde? Certamente para reduzir o tamanho do SUS e aprovar planos de saúde “populares”, com anda defendendo o atual ministro da Saúde.

Já o PLP 257, para o alongamento da dívida dos estados e do Distrito Federal com a União, restringe a expansão do serviço público, mas não mexe nos costumeiros aditivos de contratos com empresas fornecedoras ao estado e empreiteiras de obras públicas, cujos preços muitas vezes triplicam ao final dos serviços, e nem impõe limite às despesas financeiras, além de confessar que tudo o que a União receber dos estados e DF irá para o pagamento dos juros e amortização da dívida pública. Porém, em nada endurece o combate à grave sonegação.

Ora, se em ambas as medidas o foco é a redução do déficit, sabe-se que a maior despesa pública não é com saúde e educação ou com o pessoal civil e militar da União, cujo peso, como proporção da receita corrente líquida, está abaixo da metade do limite, segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal. Basta conferir o Boletim Estatístico de Pessoal na página do Ministério do Planejamento, acessível em “publicações”. A maior despesa é com juros e amortização da dívida pública, 42,43% do tesouro nacional em 2015, segundo a Auditoria Cidadã da Dívida Pública, www.auditoriacidada.org.br. E por que essa despesa e sua formação não são atingidas com o PLP 257 nem com a PEC 241? Por que então, para enfrentar o desequilíbrio entre receitas e despesas, Temer e Meirelles vão em direção contrária, propondo um pacote de ajuste que serve à acumulação do capital financeiro? São manipuladores de números, mas sabem muito bem o que querem. Por fora falam em ajuste para o crescimento. Por dentro, na prática, são medidas contra o desenvolvimento do país e o enfrentamento da desigualdade nacional e regional, nada de efetivo contra as reais causas do déficit.