'Carne Fraca' e comida saudável

Clóvis Cavalcanti
Presidente da Sociedade Internacional de Economia Ecológica (ISEE)

Publicação: 29/03/2017 03:00

O evento tumultuado da denominada operação “Carne Fraca” teve foco em supostas fiscalizações irregulares, envolvendo suborno, da produção de carne bovina em algumas grandes empresas da pecuária industrial brasileira. Tudo o que se discutiu em torno do que foi feito, depois da ação policial, se prende ao efeito dela sobre a economia brasileira, especialmente no tocante às exportações de carne do país. Para quem se preocupa com uma comida saudável, o foco certamente é outro. E não diz respeito somente à produção de carne de boi. A questão envolve, de fato, o tipo de comida que consumimos. Já que somos alimentos transformados – a qualidade do sangue humano depende do que colocamos na boca –, importa muito a natureza de nossa alimentação.

A consciência disso me fez mudar de dieta em 1971, quando me dei conta de que minha saúde não correspondia ao que eu esperava e eu não avaliava a natureza do que estava comendo. Comecei a estudar o assunto influenciado por meu pai, muito cuidadoso que era quanto à comida. Cheguei à macrobiótica, a mim por ele apresentada. Passei a comer grãos integrais, o arroz à frente, a incorporar molho (shoyo) e pasta de soja (missô) aos meus pratos, a renunciar à carne, ao açúcar, ao sal refinado, ao álcool, a comer verduras de boa procedência. Terminei adquirindo uma propriedade para produzir boa parte de minha comida e adotei a agricultura 100% orgânica em 1976. Sem me desfazer dos princípios macrobióticos, introduzi hábitos da alimentação nordestina tradicional (comer bode, por exemplo) nas minhas refeições. Meu pai também mudou algumas coisas de sua comida. Não tomava álcool. Continuou assim. Eu, não.

Evito completamente os hábitos alimentares comuns da população em geral. Há 40 anos, refrigerantes não entram em minha casa (nem copos, talheres, pratos plásticos). Não como galinha e ovo de granja – só de capoeira. Evito comê-los fora de casa. Peixe, só do mar; nada de cativeiro. Bode, carneiro entram. E cachaça, vinho, chás – café, raramente. Tomo para referência tanto os ensinamentos orientais da macrobiótica quanto a tradição da comida nordestina, considerando ainda a agradável dieta do Mediterrâneo. Sobre isso, li a respeito da dieta de Jesus, por exemplo. Ele comia peixe, pão (esses mesmo depois da Ressureição), azeitonas, figo, uva, carneiro, cabrito, feijão, lentilhas, melão, romã, passas, nozes, leite, queijo, iogurte, ovos, pepino, mel, milho, trigo, vinho (há quem diga que o teor alcoólico fosse nulo; não creio). Grãos integrais e sal, não refinados, sempre. Comia ainda alho, cebola, alho porró.

Tudo isso é comida tradicional, algo que resulta de milênios de evolução, de experiências que mostram o caminho certo. Nada a ver, por exemplo, com a aberração dos refrigerantes, uma desgraça para a humanidade, quando se tem tanto suco delicioso, água de coco, água de fonte, chás, café. Sobre refrigerantes, vale a pena ver o que diz a Escola de Saúde Pública T.H. Chan, da Universidade de Harvard: o consumo crescente deles, que são verdadeiramente doces líquidos, tem sido marcante na epidemia de obesidade do país. Com açúcar em exagero em sua composição, os refrigerantes não conferem a mesma sensação de alimentar que dariam as mesmas calorias de um doce em forma sólida, e assim quem os consome não compensa o exagero comendo menos. Uma saída para isso, e que não impõe o abandono da carne de gado criado solto, nem da galinha de capoeira (a de granja sofre martírios inomináveis), é oferecida por um movimento internacional, nascido na Itália, o Slow Food, que reúne pessoas que querem comer direito, celebrando o alimento de qualidade, limpo, sem venenos, e o prazer da alimentação. Comer é um ato prazeroso. A boa comida, a que agrada, a que não deixa rastros de mal-estar, faz bem à saúde. Com arroz integral e verduras orgânicas, melhor.