Outras consequências da Delação do Fim do Mundo

Maurício Rands, advogado, PhD pela Universidade Oxford, professor de Direito da UFPE
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Publicação: 24/04/2017 09:00

As consequências das últimas delações para a economia, para o funcionamento do Estado e para o desenvolvimento são ambíguas. Nossa imagem no exterior deteriora-se, o que pode afastar investimentos estrangeiros e debilitar nosso comércio externo. As incertezas do sistema político, com ministros, governadores e congressistas sendo investigados, suscitam dúvidas sobre a condução das reformas para a retomada da economia.

Por outro lado, espera-se que as eleições e a administração pública nunca mais sejam conduzidas da mesma forma. E aí abre-se uma janela de oportunidades para que o Estado melhore o ambiente para o investimento. E para  que passe a empregar mais recursos e melhores métodos na realização das obras e serviços públicos indispensáveis ao desenvolvimento. Espera-se que todos os poderes mudem sua forma de atuar. Que se eliminem os diversos bolsões de corporativismo que hoje fazem do Estado brasileiro um grande bolo apropriado pelos que logram sentar-se nos melhores lugares da mesa. Embora as baterias estejam voltadas para os políticos que disputam eleições, a faxina precisa ser feita também nos demais poderes. Como se viu no caso do TCE do Rio de Janeiro. O que se descortina em delações futuras, como as de Sérgio Cabral. Como cobrou a ex-ministra Eliana Calmon, a caixa preta do Judiciário vai ser aberta? Por quem? Daí pode ou deveria surgir um complexo programa de reformas para que o Estado seja republicanizado. Para que seja devolvido às funções de promover o bem comum. E não apenas de seus agentes. Concursados ou não.

Com o avanço das investigações, empresários e agentes públicos vão se tornar menos dispostos a assumir riscos. Isso pode tornar mais lentos os processos decisórios, embora o país precise que as relações entre empresas e governo mudem substancialmente. A solução será a criação de um programa de eficiência e desburocratização do funcionamento do Estado. No mínimo para contrabalancear os efeitos da queda do ritmo decisório acima apontado. Mas, sobretudo, para que o Estado deixe de ser freio ao empreendimento para dele se tornar um verdadeiro indutor e acelerador.

O Brasil finalmente ficou sabendo a extensão da corrupção. Que não se restringe aos políticos. Viu-se como o mundo corporativo é corrupto. Pela primeira vez têm sido presos tanto políticos como grandes empresários. Estão sendo destrinchados os mecanismos de privatização da coisa pública. De como a cúpula do país tem sido subornada. Em todos os governos. Foram capturados o Ministério da Fazenda e a condução da política econômica. Mesmo nas maiores recessões, como a presente, os bancos permanecem entesourados, ostentando formidáveis lucros em seus balanços. O conservadorismo dos juros altos, tão cômodo aos bancos, provavelmente não foi uma escolha apenas técnica. A política monetária tem sido conduzida pelas instituições financeiras. As direções do Banco Central e os principais gestores da política econômica, inclusive os ministros, vêm sempre da banca. E para ela voltam depois de conduzirem políticas que enriquecem as instituições que os empregam. Por isso, o Brasil ostenta uma das maiores concentrações bancárias do mundo. Por isso, o crédito continua retido pelas instituições financeiras. Por isso, o governo não toma medidas que forçariam os bancos a liberar os recursos que entesouram num momento em que os demais agentes econômicos tanto necessitam de crédito. Algumas delações ou depoimentos, como os de Palocci, Mantega e JBS, podem começar a desvelar a caixa preta das relações corruptas e/ou incestuosas entre  autoridades monetárias do governo, bancos, fundos de pensão e empresas tomadoras de empréstimos, inclusive dos subsidiados como os do BNDES e do BNB. Mas, nessa área, remanescem dúvidas.  Será que Palocci e os demais vão contar tudo? Ou vão falar apenas de pequenos bancos e de bancos de investimento? As relações entre empresas e governos vão mudar mesmo?