EDITORIAL » Saneamento, dois séculos de atraso

Publicação: 24/04/2017 09:00

O Brasil insalubre do fim do século 19 mudou muito pouco. Estamoschegando à segunda década do século 21 e 57,33% da população —mais de 100 milhões de pessoas — não são atendidos pelos serviços de saneamento básico. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que a cada R$ 100 milhões aplicados em tratamento de água, o país economiza R$ 250 milhões. Investimento de igual valor em redes de esgoto garante um retorno de R$ 890 milhões. Para este ano, a União deverá destinar até R$ 5 bilhões para operações de crédito pelo Programa de Saneamento para Todos — Setor Público e R$ 4 bilhões para o setor privado.

O investimento federal está bem aquém da necessidade apontada pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (PNSB), aprovado pela Lei nº11.445, de janeiro de 2007. Para universalizar o saneamento no país até 2033, o PNSB calculou que seriam necessários R$ 15,2 bilhões ao ano — nos últimos três o desembolso ficou em R$ 12 milhões, dos quais 20% foram da iniciativa privada. Nesse ritmo, estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) prevê que a universalização da oferta de água potável à população se dará em 2043, e de esgoto, em 2054.

Hoje, como no passado, o poder público alega que opera no vermelho, o que o impede de elevar os aportes para coleta e tratamento de esgoto. A maior parte das excretas corre a céu aberto, lançada na natureza, comprometendo nascentes, rios e lagos. As consequências de água e de rejeitos não tratados adequadamente se manifestam na saúde e na própria economia do Estado. Os serviços de saúde são os mais pressionados diretamente. De acordo com o Ministério da Saúde, em 2013, 340 mil internações ocorreram por infecções gastrointestinais, a custo unitário de R$ 355,71. Desse total, 2.135 pacientes morreram.

A recessão econômica, que se arrasta desde o fim de 2014, produziu 13,5 milhões de desempregados. Diante da crise, os planos de saúde perderam mais de 500 mil associados, que não terão outra opção a não ser buscar atendimento médico-hospitalar no SUS. A expansão do saneamento básico seria uma  oportunidade para reverter o caótico cenário atual.

Estudo do Instituto Trata Brasil (2014) indica que a expansão do saneamento básico criaria quase 865 mil oportunidades de trabalho, diretas e indiretas. No turismo, a universalização do serviço aumentaria a oferta de empregos em mais de 500 mil vagas nos hotéis, pousadas, restaurantes e em outros segmentos que fazem interface com o setor, com possibilidade de elevar de R$ 7,2 bilhões a soma dos salários e contribuir com R$ 12 bilhões para o Produto Interno Bruto.

As implicações pela não universalização do saneamento básicorecaem sobre a oferta de água, um problema mundial, compromete a saúde da população e reduz a expectativa de vida de crianças e jovens. Embora o Brasil esteja entre as 10 maiores economias do planeta está longe de ser desenvolvido. Ainda preserva hábitos dedois séculos atrás, incompatíveis com uma nação que se pretende moderna, mas que nega qualidade de vida à maior parcela da sociedade.