EDITORIAL » A geração de cristal

Publicação: 23/08/2017 09:00

Aconteceu no interior de Santa Catarina, mas poderia ter sido em qualquer parte do Brasil, numa cidade interiorana ou numa capital: uma professora que havia repreendido um aluno de 15 anos acabou sendo agredida a socos por ele. O rosto ensanguentado de Marcia Friggi, de 51 anos, professora de língua portuguesa e literatura, é uma daquelas cenas que consegue ao mesmo tempo causar revolta e espanto — o que fizemos, ou o que deixamos de fazer, para chegarmos a uma situação de tamanho desrespeito ao professor?

Indaial, o município onde Marcia Friggi ensina, possui cerca de 60 mil habitantes, e teve colonização europeia — alemães, italianos e poloneses, que ali chegaram no século 19. Está longe de ser uma cidade marcada por graves tensões sociais, como tantas outras no país. As agressões contra educadores, porém, não escolhem os municípios pelo PIB ou pela origem da população. O percentual dos professores brasileiros que informam ser vítimas de intimidações ou agressões verbais de alunos é quase o triplo da média de outros países onde se fez pesquisa sobre o problema. Aqui, conforme a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), responsável pelo estudo (feito em 2014, com 34 países), o percentual foi de 12,5%, contra 3,4% das demais nações pesquisadas.

Ao falar sobre a violência de que foi vítima, a professora Marcia Friggi levantou alguns pontos importantes para reflexão. “”Somos agredidos verbalmente de forma cotidiana. Fomos [os professores] relegados ao abandono de muitos governos e da sociedade. Somos reféns de alunos e de famílias que há muito não conseguem educar. Esta é a geração de cristal: de quem não se pode cobrar nada, que não tem noção de nada”, disse ela. A definição é oportuna: geração de cristal, aquela blindada contra cobranças e sem noção de responsabilidade. Que tudo pode, e que espera sempre se safar sem nenhuma punição das irresponsabilidades que comete.

Não sabemos se é a situação específica do agressor da professora Friggi, que parece ser caso de um problema ainda mais grave. Segundo o noticiário, ele já fora denunciado em 2016 por lesão corporal praticada contra a própria mãe, em 2016. E também já ameaçara um conselheiro tutelar, em 2017. A professora prestou queixa à polícia. Como o jovem é menor de idade, será instaurado um auto de apuração de ato infracional de adolescente, que depois de concluído será encaminhado para a Promotoria da Infância e Juventude local.

Independentemente das nuances de cada caso, o fato a se ressaltar aqui, como fenômeno ampliado, é o da violência praticada contra educadores. Como bem disse a professora:  “Estou dilacerada por ter sido agredida fisicamente. Estou dilacerada por saber que não sou a única, talvez não seja a última. Estou dilacerada por já ter sofrido agressão verbal, por ver meus colegas sofrerem”. Não estamos diante de um episódio isolado (o que já seria grave, se assim fosse), mas de uma tendência.