EDITORIAL » O ensino superior público e as ações policiais

Publicação: 16/12/2017 03:00

A respeito de fatos que se repetem, diz o senso popular que uma vez é acidente; duas, coincidência, mas a partir de três já vira padrão. O raciocínio vem a propósito das operações realizadas em universidades públicas brasileiras pela Polícia Federal, destinadas a investigar supostos desvios administrativos. De dezembro do ano passado até agora, já foram sete, o que dá aproximadamente uma operação policial numa universidade pública a cada dois meses.

Não vamos entrar aqui no mérito das questões, mas não há dúvidas que estamos diante de um número surpreendente, levando em conta quais são os alvos das ações. Tão surpreendente que ontem reportagem do El País ecoou um sentimento que já se vê disseminado na área, marcado por duas preocupações: 1) está em curso uma série de abusos que afrontam a autonomia universitária; 2) “também existe o temor”, diz texto da matéria, “de que operações como estas sejam parte de um ataque mais amplo para enfraquecer o ensino superior público”.

Uma crítica geral é em relação ao uso do instrumento de condução coercitiva, quando a polícia leva a pessoa para depor, um instrumento que, conforme a lei, deveria ser posto em prática quando o intimado se recusa a comparecer.  Isso aconteceu na mais recente operação, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), quando o reitor Jaime Arturo Ramirez e outros professores foram levados sob condução coercitiva, o que gerou reação de entidades, instituições de ensino e personalidades, como os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Dilma Rousseff.

“É notório que apoio as medidas anticorrupção, como os processos movidos pela Lava-Jato e outras mais. Ultimamente, entretanto, medidas coercitivas cautelares têm sido tomadas contra funcionários de universidades sem que se saiba com clareza quais são as acusações, sem que se veja a necessidade de coerção, sem que as pessoas envolvidas se tenham negado a depor e/ou tenham poder para atrapalhar as investigações”, disse FHC, por meio de nota. “Investigar é necessário, acusar com base é função do MP; o julgamento depende da Justiça, culpando ou inocentando os acusados. Arbítrios e abusos não são compatíveis com o Estado de Direito. Por isso, têm minha reprovação em nome dos valores da democracia e da liberdade”.  O Conselho Universitário da USP também se manifestou, destacando a “preocupação” com “as recentes operações policiais que culminaram na condução coercitiva de reitores, dirigentes, professores e administradores de universidades federais em diversos estados do Brasil”. A juíza federal Raquel Vasconcelos
Alves de Lima explicou em sua decisão sobre condução coercitiva na UFMG que se tratava de uma medida “indispensável à investigação, de modo a possibilitar que sejam ouvidos concomitantemente todos os investigados, para impedir a articulação de artifícios e a subtração das provas quanto à materialidade e autoria das pretensas infrações”.

O assunto, como se vê, está longe de um consenso. Mas debatê-lo, e ao fazer isso aprofundar suas eventuais causas, motivações e consequências, é imprescindível. Em questão tão delicada quanto esta, o pior que pode acontecer é restarem dúvidas e perguntas não respondidas.