Um belo filme

Luzilá Gonçalves Ferreira *
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Publicação: 23/01/2018 03:00

A publicidade televisiva repete incansavelmente“Vá ao cinema”. Uma ordem que a gente tem vontade desobedecer, considerando a enxurrada de violência, mau gosto, falta de imaginação, retomadas sem criatividade de velhos roteiros, cenas de sexo injustificadas e sem beleza, que campeiam por aí..Uff. Felizmente, vez em quando acontecem surpresas como o Paris de Woody Allen, como o delicioso Refeição de Ferragosto do outrora iniciante Giovani di Gregorio, como aqueles de Tornatore (lembram-se de Cinema Paradiso e de O pianista que veio do mar?) alguns nacionais, entre eles os de Petrus e Rosenberg Cariry, que atingem a sensibilidade e nos deixam de bem com a vida. Nesta semana, uma boa ocasião de ver um filme que reúne ótimos atores e cenários, em roteiro que acompanha, quase passo a passo, desde os primeiros anos na infância em S. Petersburgo, à adolescência estudiosa, à maturidade tranquila de uma bela mulher de 70 anos, a vida de Lou Andreas Salomé, seus amores (dos quais o principal foi o poeta Rainer Maria Rilke), a paixão que suscitou em homens como Nietzsche. o interesse de estudiosos como Freud (que fez dela “uma ajudadora”, conforme escreveu o pai da Psicanálise). Um pouco como fez Liliana Cavani, a diretora alemã Cordula Kablitz-Post, apresenta uma mulher impetuosa, apaixonada pelo estudo, pelo convívio com outros seres humanos mas defendendo sua independência e liberdade (“ousa tudo, não tenhas necessidade de nada” e “a vida te dará poucos presentes, se queres uma vida é preciso que a roubes”). O filme retoma, às vezes rapidamente, episódios como o encontro com Freud, com as feministas socialistas Malwida Von Meysenbug e Frieda Bulow. Mas retrata, comovida, a descoberta do amor de uma mulher madura que só aos 37 anos descobre, com o jovem poeta Rilke, que o autor de Zaratustra tinha razão, como o confessa,  ao preferir a embriguês de Dionisio à beleza contida de Apolo. Há uns anos, esta que vos escreve descobriu em Paris a biografia de Lou escrita por Pfeiffer, que a diretora alemã teve a feliz ideia de fazer o interlocutor de Lou. E logo encontrei a extraordinária correspondência dela com Rilke, e uma série de obras de Lou, como Carta aberta a Freud, ensaios sobre Rilke e Nietszche, sobre o erotismo, sobre a infância e adolescência na Rússia, no belo Rodinka (a pequena pátria). Desses encontros resultou a biografia de Lou, pedida por Luis Schvarts então na editora Brasiliense, um texto sobre Lou em Os sentidos da Paixão, da Companhia das Letras e a biografia Humana Demasiado Humana, prefaciada por Affonso Romano de SantAnna. Os sentidos da paixão, após uma tiragem de quase 37 mil exemplares, foi editado em livro de bolso. A Rocco reeditou Humana Demasiado Humana, ainda em estoque, mas muitas livrarias informam “está esgotado”. Perdoem essas informações de caráter comercial, mas é que Lou merece ser mais conhecida e reconhecida.
Nota: a sala de cinema estava repleta na semana passada: muitos psicanalistas, e muitas ativistas do feminismo ou simplesmente amantes de belos filmes. E Lou é um deles, a não se perder.

* Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras