Bolsa família no longo prazo

Alexandre Rands Barros
Economista, PhD pela Universidade de Illinois e presidente do Diario de Pernambuco

Publicação: 17/02/2018 03:00

A recente onda conservadora que se espalhou no Brasil começou a questionar vários dos pilares da visão de esquerda mais humanista. Por um lado, tal movimento tem servido para questionar alguns tabus corporativos no país, como por exemplo, os dos privilégios adquiridos. Aposentadorias milionárias sem contrapartida em contribuições que possam justificá-las, subsídios e isenções fiscais a empresários, com pouquíssimo ou nenhum benefício para a sociedade, e regras trabalhistas que beneficiam a pilantragem e a mentira às custas dos trabalhadores éticos e sérios, são alguns desses tabus questionados, e que de forma espúria foram associados à esquerda, pois transferir dinheiro para os mais ricos e beneficiar mentirosos e oportunistas em detrimento de gente séria e trabalhadora não deveria fazer parte de nenhum cardápio de esquerda, que tem como base a promoção da igualdade social, principalmente de oportunidades, e a justiça social. Infelizmente no Brasil algumas bestas que querem ser de esquerda embarcaram nessa agenda corporativa e concentradora de renda só porque ela se trasvestiu em discurso radical.

As forças conservadoras, contudo, estenderam suas críticas a programas como o Bolsa Família (BF), que são internacionalmente conhecidos como (conditional cash transfer ou CCTs), que transferem dinheiro para a população mais pobre, desde que satisfaçam algumas condicionalidades, como manter seus filhos na escola. Esses programas hoje existem em mais de oitenta países e são considerados como bem-sucedidos na melhoria da distribuição de renda e redução da pobreza. Por isso que se espalharam tanto ao redor do mundo. Os conservadores, contudo, argumentam que eles tornam o povo mais preguiçoso e por isso reduzem a produtividade da economia. Enquanto na verdade eles impõem limites mínimos à remuneração do trabalho e forçam a organização produtiva a ser de tal forma que gere os recursos necessários para pagar salários mais elevados, o que eleva a produtividade da economia.

O objetivo desses programas, ao forçar condicionalidades, é não só aliviar a pobreza hoje como permitir que as futuras gerações dos beneficiários tenham menor probabilidade de ser pobre quando adultos. As avaliações existentes mostram os resultados mencionados acima, que já podem ser verificados em poucos meses após o início do programa. Há elevação do emprego, da renda e redução da pobreza, além de diminuir a proporção de crianças fora da escola. Todos esses são resultados obtidos em avaliações em vários países, inclusive no Brasil, em relação ao Bolsa Família. Avaliações dos impactos nas gerações futuras, filhos de famílias beneficiadas pelo programa, ainda são mais escassas, dada a dificuldade de se obter detalhes dos benefícios recebidos pelos pais vários anos após, quando os filhos já poderiam terminar sua vida de estudante e ingressar no mercado de trabalho.

Estudo recente realizado por Susan Parker (Universidade de Maryland) e Tom Vogl (Universidade de Princeton), e publicado essa semana pelo NBER (National Bureau of Economic Research), avaliou o impacto de programa desse tipo no México (PROGRESA), que foi iniciado em 1997 e já gerou gerações, cujas famílias beneficiadas enquanto crianças, já se tornaram jovens adultos. Os resultados indicam que esses jovens estudaram mais, obtêm maior renda e possuem menor probabilidade de serem pobres do que aqueles que não foram beneficiados. Ou seja, o PROGRESA gera a redução de pobreza esperada nas futuras gerações. O nosso Bolsa Família, como tem estrutura semelhante ao PROGRESA, deve estar gerando resultados semelhantes, mas que ainda não podem ser percebidos, por ser o BF mais jovem do que sua contraparte mexicana. Sabe-se também que o custo do BF para seus impactos positivos de curto e médio prazos são relativamente baixos. Ou seja, é importante defender sua manutenção em um discurso de esquerda de verdade.