EDITORIAL » Enquanto os sinos dobram

Publicação: 17/02/2018 03:00

A observação sobre o que acontece em sua aldeia e no mundo - como o fazem os jornais, diariamente - é a observação sobre o drama humano. Algumas ocorrências carregam mais dramaticidade, por sua violência ou alcance, mas todas nos tocam: o massacre em uma escola, por um atirador enlouquecido; a situação do estado do Rio de Janeiro, com uma população desassistida e sem segurança; a situação de refugiados, que fogem em busca de uma chance de viver com um mínimo de dignidade… Nenhum homem, já dizia o poeta John Donne, é uma ilha, isolado em si mesmo. O sofrimento (ele dizia “a morte”, mas a substituição não é desprovida de sentido) de qualquer pessoa nos diminui, porque somos parte do gênero humano. “E por isso não pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”, afirmava coberto de razão, em texto publicado no século 17, que se tornou célebre ao inspírar título de livro de Ernest Hemingway, no século 20.

Enquanto no Rio uma população inteira vê o governo estadual resignar-se ao seu fracasso e nos Estados Unidos pais choram a perda dos  filhos assassinados a tiros enquanto estavam na escola, na Venezuela uma leva de migrantes cruza a fronteira rumo a países vizinhos, como o Brasil.  O problema ganhou tal dimensão que o presidente Michel Temer assinou decreto reconhecendo a “situação de vulnerabilidade” de Roraima - que tem sido o principal destino procurado por milhares de venezuelanos, no Brasil. Além disso, o governo Temer editou uma Medida Provisória que estabelece uma série de ações para assistência emergencial aos refugiados.

Boa Vista, capital de Roraima, tem uma população de aproximadamente 330 mil habitantes. Cálculos da prefeitura estimam que cerca de 40 mil venezuelanos já entraram na cidade - imaginem a situação de um município que em curto espaço de tempo vê sua população aumentar em mais de 10%... E imaginem a situação, também, dos que chegam para ficar lá. Mal comparando, é como se todos os habitantes da aprazível Afogados da Ingazeira, no Sertão, se transferissem em massa para a não menos aprazível Paulista (que tem 328 mil/hab.), na Região Metropolitana do Recife. Os serviços urbanos, a mobilidade, a saúde, a segurança, o meio ambiente - tudo é afetado de uma forma inédita, inesperada e massiva.

A fuga em massa dos venezuelanos deve-se à caótica situação em que se encontra o país deles. Os frequentes massacres nos Estados Unidos devem-se, em parte, ao acesso facilitado da população às armas. O descalabro no Rio deve-se ao acúmulo de governos desastrosos. São acontecimentos, todos eles, que compõem o tecido dos dramas com que nos deparamos cotidianamente. Cada um de nós deseja que as situações de dor sejam superadas, e que daí surja uma sociedade melhor. Não é o raciocínio mais realista a se tirar desses acontecimentos, porque quando menos se espera eles se repetem em outros lugares, com outras pessoas. Mas, enquanto os sinos dobram, a esperança é algo que não podemos perder.