Rodrigo Pellegrino
Advogado
Publicação: 15/05/2020 03:00
O filme de Federico Fellini (lançado em outubro de 1978) é o único de sua filmografia que trata do tema político. A ambiência dessa obra magnífica, mas pouco acalantada (tenho cá algumas intuições sobre as razões), é um ensaio cujo enredo se passa numa igreja (construída em cenário) com acústica perfeita, mas carcomida pelo tempo.
Fellini, em pouco mais de uma hora de filme, apresenta um ensaio de uma orquestra, objeto de um documentário para um programa de televisão, cujo diretor (o próprio Fellini) entrevista os músicos e documenta o processo tenso do aperfeiçoamento da música ensaiada (Nino Rota, com trilha sonora sublime).
Essa espécie de tributo de Fellini para a política é o registro do diretor sobre a radicalização e a sua visão do momento político tenso pelo qual a Itália se encontrava, em cujo ano de lançamento coincide o assassinato de Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas. O filme é uma metáfora da vida política e de como os seres humanos se relacionam com o poder. Tem um desfecho surpreendente que nos deixa com uma sensação “Sisífica” de não existir saída, senão aquela de tudo novamente voltar ao início.
Esse mesmo niilismo me acomete. É que a realidade, tal qual no filme, quase sempre nos conduz a uma espécie de inevitabilidade à submissão de algum tirano, ou de algum salvador da pátria, nós seres humanos vivemos uma bigamia com a liberdade e a dependência atávica de outros, a eterna espera pela volta do Don Sebastião.
Como não pensar assim num país como o Brasil? País que insiste em viver apenas duas estações, ou somos verão, ou somos inverno, numa espécie de tensão binária permanente de tudo ou nada, o tempo todo?
No Prova d’Orchestra, assistimos às entrevistas do violoncelista arrogante, da pianista excitada, do trompete desconfiado, do contrafagote absorto, da percussão desatenta, do oboé egocêntrico, e esses, apesar da “sublevação” e destituição do maestro, substituindo-o por um “Metrônomo Gigante”, terminaram reconduzindo, o mesmo “ditador”, para a regência.
O discurso do maestro, no filme, logo após o caos gerado pela ausência de entendimento dos músicos da orquestra, cuja consequência foram mortes e agressões, é fabuloso. “Vocês estão aqui, eu estou aqui, todos devem estar atentos aos seus instrumentos, a música nos salva, agarrem-se às notas, sigam as notas, todos nós somos músicos, cada um tocando a melodia da sua vida.”
Um veludo aos ouvidos de um coração de esperança. Mas a realidade, tal qual o próprio filme aponta, é outra. Na ausência de um líder, as relações degringolam. Todos abraçam-se em seus egoísmos e a harmonia social que pode fazer uma orquestra tocar música com diferentes instrumentos perde a sua musicalidade.
Vivemos num mundo pandêmico, e num país cujo discurso endêmico desconstrói a nossa própria orquestra. Um maestro fratricida não merece a nossa orquestra. Se destituímos maestros, o fazemos para reconstruir a nossa música, para permitirmos nossos acordes. Para podermos, cada um, exercer seu ofício e sua missão.
Espero que não tenhamos, por medo, a covardia em destituir o maestro atual, assim como também, a sedução em reconduzir, novamente, o mal maestro do passado. Espero somente as primaveras e os outonos de agora em diante. Estações de transição. Estações amenas, para que o tempo nos traga uma “Dolce Vita” e possamos viver, em paz.
Fellini, em pouco mais de uma hora de filme, apresenta um ensaio de uma orquestra, objeto de um documentário para um programa de televisão, cujo diretor (o próprio Fellini) entrevista os músicos e documenta o processo tenso do aperfeiçoamento da música ensaiada (Nino Rota, com trilha sonora sublime).
Essa espécie de tributo de Fellini para a política é o registro do diretor sobre a radicalização e a sua visão do momento político tenso pelo qual a Itália se encontrava, em cujo ano de lançamento coincide o assassinato de Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas. O filme é uma metáfora da vida política e de como os seres humanos se relacionam com o poder. Tem um desfecho surpreendente que nos deixa com uma sensação “Sisífica” de não existir saída, senão aquela de tudo novamente voltar ao início.
Esse mesmo niilismo me acomete. É que a realidade, tal qual no filme, quase sempre nos conduz a uma espécie de inevitabilidade à submissão de algum tirano, ou de algum salvador da pátria, nós seres humanos vivemos uma bigamia com a liberdade e a dependência atávica de outros, a eterna espera pela volta do Don Sebastião.
Como não pensar assim num país como o Brasil? País que insiste em viver apenas duas estações, ou somos verão, ou somos inverno, numa espécie de tensão binária permanente de tudo ou nada, o tempo todo?
No Prova d’Orchestra, assistimos às entrevistas do violoncelista arrogante, da pianista excitada, do trompete desconfiado, do contrafagote absorto, da percussão desatenta, do oboé egocêntrico, e esses, apesar da “sublevação” e destituição do maestro, substituindo-o por um “Metrônomo Gigante”, terminaram reconduzindo, o mesmo “ditador”, para a regência.
O discurso do maestro, no filme, logo após o caos gerado pela ausência de entendimento dos músicos da orquestra, cuja consequência foram mortes e agressões, é fabuloso. “Vocês estão aqui, eu estou aqui, todos devem estar atentos aos seus instrumentos, a música nos salva, agarrem-se às notas, sigam as notas, todos nós somos músicos, cada um tocando a melodia da sua vida.”
Um veludo aos ouvidos de um coração de esperança. Mas a realidade, tal qual o próprio filme aponta, é outra. Na ausência de um líder, as relações degringolam. Todos abraçam-se em seus egoísmos e a harmonia social que pode fazer uma orquestra tocar música com diferentes instrumentos perde a sua musicalidade.
Vivemos num mundo pandêmico, e num país cujo discurso endêmico desconstrói a nossa própria orquestra. Um maestro fratricida não merece a nossa orquestra. Se destituímos maestros, o fazemos para reconstruir a nossa música, para permitirmos nossos acordes. Para podermos, cada um, exercer seu ofício e sua missão.
Espero que não tenhamos, por medo, a covardia em destituir o maestro atual, assim como também, a sedução em reconduzir, novamente, o mal maestro do passado. Espero somente as primaveras e os outonos de agora em diante. Estações de transição. Estações amenas, para que o tempo nos traga uma “Dolce Vita” e possamos viver, em paz.