Manoel Bione
Médico psiquiatra e jornalista
Publicação: 07/12/2023 03:00
Ao escrever o último artigo sobre o restaurante Dom Pedro, me bateu uma espécie de saudosismo da Boemia de outrora do Recife. Naquele tempo, os diversos bares recifenses viviam lotados dos chamados boêmios. Mas uma moça atrás da orelha me assopra que esse tempo não volta mais.
Além do citado Dom Pedro, havia A Nova Portuguesa, também localizada por trás do Diario de Pernambuco. Tínhamos o Savoy - que soube que vai reabrir - na Guararapes. Foi lá que o jovem poeta Carlos Pena Filho escrevera seu “...Por isso no bar Savoy/ O refrão tem sido assim/ São 30 copos de chope/ São 30 homens sentados/ 300 desejos presos/ 30 mil sonhos frustrados”.
Continuando a lista, bem próximo ao Savoy, funcionava o Bar Brahma, na esquina da Guararapes com Dantas Barreto. Posso citar, ainda o Bar 7, que ficava no casarão onde funcionava a saudosa Livro 7 (Tarcísio, presente!) e a Disco 7. Lá se reunia o pessoal chamado, pela ditadura, de “subversivo”.
Lá na então “longínqua” metade da Conde da Boa Vista, havia e ainda funciona, o Mustang, que maldosamente (?) era apelidado de “Mustangay”, por conta da fauna que frequentava, juntamente com os boêmios de sempre. Mas a maldade dessa gente é uma arte. Com o tempo os proprietários cercaram o bar com grades de ferro. Então o apelido foi “atualizado” para “Gaiola das Loucas”.
De minha mesa, assisti a dois episódios mais ou menos prosaicos. Certa noite, o pintor Paulo Bruscky, já com meia garrafa de vodca no quengo, resolveu fazer uma de suas costumeiras provocações. Pôs-se de pé e passou a gritar em voz alta:
- Aqui é tudo corno. Vocês ficam nos bares, enchendo a cara e, enquanto isso, as mulheres estão em casa, trepando com o urso...”
O bar parou, num silêncio gelado como o famoso chope do Mustang. Nisso, levantaram-se dois boyzinhos, como se dizia na época, foram até o orelhão da esquina e falaram não se sabe o quê, nem com quem. Alguém me soprou que eram filhos de um oficial da Aeronáutica. Não deu muito tempo, encostaram, cantado os pneus, duas viaturas da então temível P.A. (Polícia da Aeronáutica). Três gorilas desceram e um ficou escorado no carro, de metranca em punho. Vasculharam o bar, mas não localizaram Paulo Bruscky, que já se escafedera pela porta de trás do estabelecimento. Os meganhas voltaram, olhando pro chão, sob a vaia geral dos presentes. Os dois boyzinhos correram pro seu carrão e saíram às pressas, também sob vaia generalizada.
O outro episódio pitoresco ocorreu com o poeta Ângelo Monteiro, outro provocador contumaz. E olha que estávamos vivendo os chamados Anos de Chumbo, com o pau comendo solto. Ao ver se aproximar um camburão da PM, Ângelo pulou da cadeira e se atravessou na avenida, acenado pro veículo. Nisso, desceu um policial, e Ângelo, calmamente, puxou um cigarro, e perguntou se o PM tinha fogo. Também calmamente, ele puxou o isqueiro e acendeu o cigarro de Ângelo, que retornou a sua mesa, sob aplausos.
No tempo em que eu publicava no PASQUIM, morava em Santos e ia muito ao Rio. Ainda hoje a Cidade Maravilhosa continua com sua boemia bem viva. Eu saía com a chamada Patota do Pasquim, geralmente composta por Jaguar, Nani, Millôr, Henfil – este, mais cauteloso por conta de sua hemofilia. Abríamos os “trabalhos”, no Bar Luís, na rua da Carioca, quase ao lado da redação. De lá fazíamos um pit stop no Amarelinho da Cinelâdia, que servia um chope cremoso, uma tradição insuperável do Rio. Passávamos, no Bracarence, no Leblon, com sua famosa “roupa velha”, um delicioso prato de charque desfiada bem crocante. E terminávamos no Lamas, quase ao lado do Palácio do Catete.
Infelizmente, o perfil noturno do Recife mudou radicalmente. Nos bares já não existe aquele clima de confraria boêmia de outrora. Os bares estão apinhados de jovens barulhentos ou de babacas de meia idade a discutir sobre os jogos exibidos em TVs, espalhadas pelos cinco cantos do estabelecimento.
Os boêmios estão recolhidos ao reduto dos seus lares, a trocar reminiscências de um tempo que não volta mais. E, ao contrário dos versos pleonásticos de Adelino Moreira, no vozeirão de Nelson Gonçalves, não voltarão novamente.
Além do citado Dom Pedro, havia A Nova Portuguesa, também localizada por trás do Diario de Pernambuco. Tínhamos o Savoy - que soube que vai reabrir - na Guararapes. Foi lá que o jovem poeta Carlos Pena Filho escrevera seu “...Por isso no bar Savoy/ O refrão tem sido assim/ São 30 copos de chope/ São 30 homens sentados/ 300 desejos presos/ 30 mil sonhos frustrados”.
Continuando a lista, bem próximo ao Savoy, funcionava o Bar Brahma, na esquina da Guararapes com Dantas Barreto. Posso citar, ainda o Bar 7, que ficava no casarão onde funcionava a saudosa Livro 7 (Tarcísio, presente!) e a Disco 7. Lá se reunia o pessoal chamado, pela ditadura, de “subversivo”.
Lá na então “longínqua” metade da Conde da Boa Vista, havia e ainda funciona, o Mustang, que maldosamente (?) era apelidado de “Mustangay”, por conta da fauna que frequentava, juntamente com os boêmios de sempre. Mas a maldade dessa gente é uma arte. Com o tempo os proprietários cercaram o bar com grades de ferro. Então o apelido foi “atualizado” para “Gaiola das Loucas”.
De minha mesa, assisti a dois episódios mais ou menos prosaicos. Certa noite, o pintor Paulo Bruscky, já com meia garrafa de vodca no quengo, resolveu fazer uma de suas costumeiras provocações. Pôs-se de pé e passou a gritar em voz alta:
- Aqui é tudo corno. Vocês ficam nos bares, enchendo a cara e, enquanto isso, as mulheres estão em casa, trepando com o urso...”
O bar parou, num silêncio gelado como o famoso chope do Mustang. Nisso, levantaram-se dois boyzinhos, como se dizia na época, foram até o orelhão da esquina e falaram não se sabe o quê, nem com quem. Alguém me soprou que eram filhos de um oficial da Aeronáutica. Não deu muito tempo, encostaram, cantado os pneus, duas viaturas da então temível P.A. (Polícia da Aeronáutica). Três gorilas desceram e um ficou escorado no carro, de metranca em punho. Vasculharam o bar, mas não localizaram Paulo Bruscky, que já se escafedera pela porta de trás do estabelecimento. Os meganhas voltaram, olhando pro chão, sob a vaia geral dos presentes. Os dois boyzinhos correram pro seu carrão e saíram às pressas, também sob vaia generalizada.
O outro episódio pitoresco ocorreu com o poeta Ângelo Monteiro, outro provocador contumaz. E olha que estávamos vivendo os chamados Anos de Chumbo, com o pau comendo solto. Ao ver se aproximar um camburão da PM, Ângelo pulou da cadeira e se atravessou na avenida, acenado pro veículo. Nisso, desceu um policial, e Ângelo, calmamente, puxou um cigarro, e perguntou se o PM tinha fogo. Também calmamente, ele puxou o isqueiro e acendeu o cigarro de Ângelo, que retornou a sua mesa, sob aplausos.
No tempo em que eu publicava no PASQUIM, morava em Santos e ia muito ao Rio. Ainda hoje a Cidade Maravilhosa continua com sua boemia bem viva. Eu saía com a chamada Patota do Pasquim, geralmente composta por Jaguar, Nani, Millôr, Henfil – este, mais cauteloso por conta de sua hemofilia. Abríamos os “trabalhos”, no Bar Luís, na rua da Carioca, quase ao lado da redação. De lá fazíamos um pit stop no Amarelinho da Cinelâdia, que servia um chope cremoso, uma tradição insuperável do Rio. Passávamos, no Bracarence, no Leblon, com sua famosa “roupa velha”, um delicioso prato de charque desfiada bem crocante. E terminávamos no Lamas, quase ao lado do Palácio do Catete.
Infelizmente, o perfil noturno do Recife mudou radicalmente. Nos bares já não existe aquele clima de confraria boêmia de outrora. Os bares estão apinhados de jovens barulhentos ou de babacas de meia idade a discutir sobre os jogos exibidos em TVs, espalhadas pelos cinco cantos do estabelecimento.
Os boêmios estão recolhidos ao reduto dos seus lares, a trocar reminiscências de um tempo que não volta mais. E, ao contrário dos versos pleonásticos de Adelino Moreira, no vozeirão de Nelson Gonçalves, não voltarão novamente.