É preciso voltar às origens

Sérgio Ricardo Araújo Rodrigues
Advogado e Professor Universitário

Publicação: 19/04/2024 03:00

Com a chegada dos portugueses em território brasileiro em 1500, as terras encontradas foram relatadas pelos escrivães que acompanhavam os navios, notadamente Pero Vaz de Caminha.

Segue trecho da carta:

“Então lançamos fora os batéis e esquifes, e vieram logo todos os capitães das naus a esta nau do Capitão-mor, onde falaram entre si. E o Capitão-mor mandou em terra no batel a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou de ir para lá, acudiram pela praia homens, quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao chegar o batel à boca do rio, já ali havia dezoito ou vinte homens. Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram. Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar na costa. Somente deu-lhes um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas como de papagaio; e outro deu-lhe um ramal grande de continhas brancas, miúdas, que querem parecer de aljaveira, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza, e com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar”.

Assim, a literatura de informação foi produzida pelos viajantes no início do século XVI, no período do Descobrimento do Brasil e das Grandes navegações, chamada de Quinhentismo.

O Quinhentismo exaltou a visão Eurocêntrica do mundo e a carta de Pero Vaz assim o fez traçando alguns cenários.

Os Portugueses e indígenas se encontram pela primeira vez, no litoral sul da Bahia e depois de momentos de hesitação, os dois grupos trocam objetos, prática que se tornaria uma das mais emblemáticas ao longo da colonização portuguesa.

Ele inclui muitos outros detalhes da chegada dos portugueses ao Brasil e revela episódios do cotidiano de personagens que ficaram para a História, como Cabral e o próprio autor da carta, e de pessoas comuns - tripulantes dos barcos, por exemplo - à época do descobrimento.

Pois bem, é preciso termos em mente o que foi o Quinhentismo e fazermos análise crítica quanto ao descrito.

Em primeiro ponto é preciso estabelecer que as terras ali descritas já pertenciam aos povos originário que aqui habitavam.

Em segundo ponto, os europeus aqui desembarcaram e passaram a ter o intuito de colonizar.

O colonialismo é uma prática na qual um território exerce domínio político, cultural ou religioso sobre um determinado povo. O controle é exercido por meio de uma potência ou força política militar externa que deseja explorar, manter ou expandir seu território.

Na maioria das vezes, essa prática aconteceu sem o consentimento de seus habitantes, que com a exploração, perdem parte de seus bens (solos, recursos naturais, moradia) ou possíveis direitos políticos que pudessem ter.

Dessa forma, a potência exploradora consegue se desenvolver às custas das riquezas encontradas nas colônias exploradas, que se tornam cada vez mais parte do Império explorador e reféns das suas ordens.

No dia eleito como de homenagem aos povos originários é preciso resgatar a história sem afeições românticas e saber que temos um grande débito com os povos originários de nosso País.

Esses povos precisam de políticas Públicas de resgate de sua memória, cultura, religião e patrimônio que sejam efetivas e não só ficarmos em intenções.

Trago a linda Poesia de Márcia Kambeba:

Índio eu não sou

Não me chame de “índio”
Porque esse nome nunca me pertenceu
Nem como apelido quero levar
Um erro que Colombo cometeu.

Por um erro de rota
Colombo em meu solo desembarcou
E no desejo de às Índias chegar
Com o nome de “índio” me apelidou.

Esse nome me traz muita dor
Uma bala em meu peito transpassou
Meu grito na mata ecoou
Meu sangue na terra jorrou.

Chegou tarde, eu já estava aqui
Caravela aportou bem ali
Eu vi “homem branco” subir
Na minha Uka me escondi.

Ele veio sem permissão
Com a cruz e a espada na mão
Nos seus olhos, uma missão
Dizimar para a civilização.

“Índio” eu não sou.
Sou Kambeba, sou Tembé
Sou Kokama, sou Sataré
Sou Guarani, sou Arawaté
Sou Tikuna, sou Suruí
Sou Tupinambá, sou Pataxó
Sou Terena, sou Tukano
Resisto com raça e fé