Essa tal desinformação

Rodrigo Pellegrino de Azevedo
Advogado

Publicação: 04/04/2024 03:00

No cenário atual, a desinformação é como um polvo gigante em águas turvas, estendendo seus tentáculos e confundindo até os mais astutos marinheiros no mar da informação. Ocorre que essa espécie de molusco, quando fustigada, solta ainda mais tintas. Nessa saga, o Supremo Tribunal Federal (STF) veste a capa do capitão, tentando navegar por essas águas traiçoeiras com um mapa desbotado nas mãos, numa embarcação de superfície, sem capacidade para profundidade. A questão é: como definir juridicamente a desinformação? A desinformação, tal qual apresentada nos debates jurídicos contemporâneos, poderia ser comparada a um camaleão caminhando sobre um vasto caleidoscópio; sua natureza mutante desafia constantemente a tentativa de capturá-la sob uma definição estanque.

O STF, nesse teatro de sombras, parece estar jogando dardos no escuro, buscando acertar o alvo da verdade. Mas, ao invés de esclarecer, acaba por vezes adentrando um labirinto kafkiano. O tribunal, com boas intenções de preservar a democracia, encontra-se em um paradoxo digno de um episódio de “Black Mirror”: ao tentar combater a desinformação, corre o risco de alimentá-la, dançando no limite da censura e da liberdade de expressão.

A falta de clareza na definição jurídica de desinformação é mais do que um obstáculo técnico; é um convite à arbitrariedade, onde o poder de interpretar pode facilmente se transformar em poder de silenciar. Como em uma peça de Shakespeare, onde as aparências enganam e os mal-entendidos são o cerne da trama, o combate à desinformação pelo STF pode acabar se tornando um cenário onde “todo mundo é culpado até que se prove o contrário”.

A ironia está servida! O esforço para proteger a democracia pode, sem querer, pavimentar o caminho para sua erosão. Assim, o STF tem diante de si uma missão: definir desinformação de forma clara e precisa, garantindo que a espada da justiça corte a desinformação sem atingir a liberdade de expressão. Em um mundo ideal, essa definição não seria um labirinto sem saída, mas um farol de clareza, guiando as embarcações da sociedade através das águas tempestuosas da era da informação. O futuro da nossa democracia pode depender de quão bem essa missão é cumprida, por isso, o açodamento é mais arriscado que a inércia.

Na trincheira da defesa da liberdade de informação, a jurisprudência e a doutrina dos Estados Unidos se destacam como faróis de inspiração. Sob a égide da Primeira Emenda, a terra do Tio Sam abraça a liberdade de expressão com um fervor que beira o sagrado. Como aponta Zechariah Chafee, “A liberdade de expressão não é um absoluto em qualquer país, mas a repressão da expressão deve ser o último recurso”. Este princípio ressoa profundamente no contexto americano, onde a tolerância à divergência de opiniões é vista não apenas como um direito, mas como um pilar da democracia.

Comparativamente, ao olharmos para o Brasil e sua luta com a definição de desinformação, a abordagem do STF parece flertar perigosamente com o que Floyd Abrams, renomado advogado americano e defensor da liberdade de expressão, descreveria como um caminho rumo à censura. Em suas palavras, “A resposta para o discurso que não gostamos não é menos discurso, mas mais discurso” – uma perspectiva que, embora pareça simples, oferece uma solução elegante e eficaz no combate à desinformação.

Este contraste de abordagens ilumina um caminho potencial para o Brasil, a implementação de políticas que incentivem a educação midiática e o pensamento crítico como antídotos contra a desinformação, ao invés de vaguear por um terreno pantanoso onde a censura espreita sob o manto da proteção. Tal como a liberdade de expressão nos EUA é protegida até os seus limites mais extremos, a doutrina brasileira poderia beneficiar-se de um olhar mais liberal, defendendo a liberdade de informação como um direito inalienável, que deve ser preservado até nas situações mais desafiadoras.

Nesse diálogo transatlântico sobre liberdade de expressão, em um mundo inundado por informações de todas as direções, a capacidade de discutir, discordar e debater ideias abertamente é mais crucial do que nunca. O desafio está em equilibrar essa liberdade com a responsabilidade de combater a desinformação sem sacrificar os valores democráticos no processo.

A missão do STF, portanto, transcende a definição de desinformação; trata-se de reafirmar o compromisso inabalável com a liberdade de informação. A sabedoria de olhar para exemplos internacionais, como os Estados Unidos, pode oferecer ao Brasil um farol de esperança e direção. A defesa da liberdade de informação não é apenas uma batalha legal, mas um compromisso ético com o futuro da democracia, afinal, penso que isso seria talvez a única vertente para nossa pacificação.