Recife, 500 anos

Heldio Villar
Engenheiro civil (UFPE, 1974), mestre em tecnologia nuclear (UFPE/University of Saskatchewan, 1981) e PhD em Geotecnologia Ambiental (University of Manchester, 1993). É professor da Escola Politécnica da UPE

Publicação: 18/04/2024 03:00

Há uns bons 5 anos, a Câmara Municipal do Recife outorgou ao Dr. Ricardo Brennand o título de cidadão recifense. Uma mais que justa homenagem, capitaneada pelo então Vereador André Regis, ao engenheiro, empresário e filantropo que, a par da sua contribuição à economia da cidade e do Estado, tinha colocado solidamente o Recife na rota dos grandes museus do planeta. Em seu discurso, naquela data, o Dr. Ricardo exortou os “poderes públicos e privados a elaborar um plano mínimo estratégico, para em 10 anos alcançarmos os níveis de civilidade compatíveis aos centros modernos”. Metade desse prazo já se escoou.

Bem, o fato é que em pouco menos de 13 anos o Recife se tornará a primeira capital brasileira a completar meio milênio. E, com o devido respeito às sucessivas administrações municipais (e, diga-se de passagem, participei de algumas delas), pelo andar da carruagem, o horizonte almejado pelo Dr. Ricardo não será alcançado nem mesmo até lá. Uma caminhada rápida pelo Centro é suficiente para se ter uma noção da tarefa hercúlea à nossa frente.

Como carioca, eu deveria (no jargão jurídico) declarar-me suspeito. Mas, radicado aqui há exatos 54 anos, creio ter autoridade para dar esse depoimento. Até vir morar no Recife, só conhecia duas capitais nordestinas: Salvador e Fortaleza. E, em 1970, elas eram cidades provincianas diante da metrópole recifense, a começar pela demografia: a população do Recife era superior à soma das populações das duas. Apesar dos pouco mais de 200 km2 de área (contra mais de 300 de cada uma delas), o Recife ainda contava com um parque industrial respeitável, fabricando aços, refrigeradores, fios e cabos elétricos, tecidos etc.

Até bem recentemente, o nosso aeroporto era ligado diretamente a Londres, Paris, Bruxelas, Milão, Viena. E hoje? É verdade que foi o Recife o segundo destino dos 5,91 milhões de turistas estrangeiros no Brasil em 2023. Mas é muito? Bem, 10,8 milhões entraram apenas em Cancún, graças às praias. Mas Madrid – que fica bem distante de qualquer praia – recebeu 7,9 milhões. Esses números sugerem que usar nossas praias (a maioria das quais, na verdade, fora do Recife) e mesmo as festas populares como chamariz não está dando resultado.

Em suma, a cidade tem de ser atraente. E, como quem visitou outros países bem sabe, “cidade” é especialmente o “centro da cidade”. Convenhamos, o que há de interesse no Recife para o turista informado está em sua área central: as igrejas, os prédios públicos, o teatro municipal, os monumentos, as ruas históricas... Está o Centro do Recife pronto para recebê-lo?

É o caso (abusando do “juridiquês”), salvo melhor juízo, de constituir uma comissão, que poderia ser batizada de RECIFE 500, que envolveria os governos municipal, estadual e federal e a sociedade civil. Poderiam contribuir com recursos – além, obviamente, da Prefeitura – o Governo do Estado, o Governo Federal e, ouso incluir, os governos de Portugal, da Espanha, da Holanda e até do Reino Unido e mesmo dos EUA. Explico. Até 1580, foi o Recife uma cidade portuguesa; daí até 1630, uma cidade espanhola; entre 1630 e 1654, uma cidade holandesa, voltando então a ser portuguesa. Ao longo do século XVII foi uma das duas ou três cidades mais ricas do Hemisfério Sul. Em 1815 os EUA estabeleceram aqui sua primeira representação no Brasil, o que evidenciava a importância do Recife para os americanos. E, entre os séculos XIX e XX, foi a mais britânica das cidades brasileiras; não à toa, temos um British Cemetery e um British Country Club, além do Caxangá Golf & Country Club.

Como não faz sentido “reinventar a roda”, seriam buscadas em cidades semelhantes ideias para revitalizar o Centro. Nas minhas andanças, visitei três cidades europeias que tinham semelhanças com o Recife (menos a praia): as francesas Lyon e Nantes e a espanhola Sevilla. O caso de Nantes é particularmente interessante, pois já existe um convênio de cooperação da prefeitura de lá com a daqui e também outro convênio entre a Universidade de Nantes e a UPE (incidentemente, tive participação em ambos). Vale a pena ver o que podemos conseguir a partir desses dois instrumentos. Recife merece uma bela festa de 500 anos. E 13 anos voam!