Curadores pernambucanos e a 60ª Bienal de Veneza

Marcus Prado
Jornalista

Publicação: 06/05/2024 03:00

A curadoria contemporânea é uma das mais complexas tarefas no campo das artes. No século XX, observa-se crescente valorização da figura do curador, que, a cada ano, ganha mais espaço no campo profissional.  Exige, desde o exemplo precursor de Gustave Courbet (1819-1877), competência, experiência, coragem para descobertas, critério de seleção, rigoroso olhar crítico na montagem, na edição dos catálogos. Por fim, fazer da exposição uma obra de arte, é o que desejo, também, de uma amostra, como a que aconteceu no Espaço Brennand, na coletiva de final de 2023, com Neném e Maria Helena Brennand. É duplo desafio, fazer de uma amostra uma obra de arte, o curador voltado para essa nova estética.

Pernambuco tem uma história muito honrosa nesse setor: com o gênio de Mário Schenberg (1971) e Moacir dos Anjos (2010), ambos com elogiosas referências como curadores da Bienal de São Paulo. Moacir tornou-se um nome incontornável no panorama curatorial independente brasileiro e como critico de artes visuais. Vem ocorrendo no Recife um aumento progressivo de exposições, em qualidade. À frente de curadorias, vejo com muita simpatia trabalhos de pernambucanos (ou há muitos radicados) como Raul Córdula, Bethe Araruna (era a galerista preferida por Burle Marx – para a sua pintura), Joana D’arc, (Gislaine Andrade marcou um tempo no Centro Cultural Adalgisa Falcão, no Poço da Panela, de onde saíram novos talentos de sucesso fora do Brasil, como Zé Patrício).  Suas atuações se dão com os artistas, resultando em amostras de extrema importância, concentradas em diálogos, ideias, e impressões como os que vi na Arte Plural, na curadoria de uma exposição de Luciano Pinheiro e Joana D’arc (curadora).  Entre os novos, há nomes como Clarissa Diniz, Ariana Nuala, Cris Tejo, Felipe Campelo.

Fiz esse longo percurso para destacar o trabalho de curadoria, que venho acompanhando pelo noticiário, do brasileiro, Adriano Pedrosa, na 60ª edição da Bienal de Veneza, inaugurada há poucos dias, até 24 de novembro. O tema escolhido foi “Stranieri Ovunque – Foreigners Everywhere” (em português, “Estrangeiros em todo o lugar”). Pela primeira vez, um curador latino-americano chega à frente do evento de tamanha fama e grandeza, com uma estrutura espetacular para 331 artistas da África, América do Sul e outros lugares estrangeiros, desmultiplificados em sucessivos núcleos. (Países da Ásia e do Médio Oriente nunca vistos em Bienais).  São 90 pavilhões independentes organizados por nações individuais. No núcleo dos históricos está, entre outros, o pernambucano Cícero Dias. Como diretor do MASP, Pedrosa já vem transformando o museu em um lugar de diálogo com artistas indígenas, LGBTQIA+, afro-brasileiros e estrangeiros, valorizando a arte que esteve fora do circuito. Na Bienal de Veneza estão artistas migrantes, diaspóricos, refugiados, expatriados, artistas indígenas, artistas que defendem a bandeira queer (Os que se inserem no circuito artístico para falar de identidade de gênero, sexualidade e diversidade), autodidatas e outsiders (participando pela primeira vez de uma exposição de tamanho prestígio). O Brasil como terra indígena é o foco do pavilhão do país na Bienal Veneza, sendo nomeado como Pavilhão Hãhãwpuá.

O protagonismo do têxtil e da cerâmica de grupos de mulheres de etnia indígena, da Nova Zelândia (Cerâmica e bordado, que não foram novidade, em 2023, da Fenearte), está sendo um dos destaques entre as ganhadoras do Leão de Ouro. Como curador, Pedrosa parece estar sempre querendo reconfigurar cânones, a onipresença do cânone, de modo a problematizar a narrativa historiográfica da arte.