A triste sina da pobreza

Alexandre Rands Barros
Economista

Publicação: 31/08/2024 03:00

João Cabral do Melo Neto narrou bem a sina do sertanejo pobre, que morre de velhice antes dos 30. Graciliano Ramos, em Vidas Secas, também narra os infortúnios da pobreza através da migração da família de Fabiano, em busca de melhores condições de vida. Segundo ele, até a capacidade de raciocínio do protagonista era afetada pela pobreza. Josué de Castro, médico de formação, enfatizou o papel da fome até mesmo na diminuição da estatura do nordestino, entre outras tantas mazelas que ela trazia. Essa relação entre pobreza e deficiências físicas e mentais é bem reconhecida hoje na literatura, sobretudo em decorrência das deficiências alimentares, excessos de horas despendidas em ambientes insalubres e pouco acesso à formação e informação. De uma forma impactante, pode-se dizer que a pobreza aleija.

O censo de 2010 trouxe dados referentes a quatro tipos de deficiências: (i) visual; (ii) auditiva; (iii) motora e (iv) mental e intelectual. Infelizmente, os dados do censo de 2022 sobre esse assunto ainda não estão disponíveis, mas os do censo anterior apresentam um panorama, que deve ser ainda bem próximo da realidade atual. Há no Brasil, 23,91% da população com algum desses tipos de deficiência, segundo o censo de 2010. Entretanto, inclui-se nesse número pessoas com apenas alguma dificuldade visual, auditiva e motora. Talvez isso seja pouco para considerar que são pessoas efetivamente deficientes. Se deixarmos apenas pessoas com grande dificuldade e com supressão total das habilidades, esse número cai para 8,26% da população. Ainda assim, eram 15,75 milhões de pessoas em 2010.

O que se nota nos dados é que locais mais pobres tendem a possuir mais pessoas com deficiência. O Nordeste possui percentual maior do que o Brasil, tendo ficado em 9,50% em 2010. Contudo, Pernambuco tinha 9,84%, indicador ligeiramente maior do que o do conjunto da região. Esse aumento com a pobreza decorre do fato de que há menos recursos para evitar deficiência, seja no nascimento ou ao longo da vida. Esse problema fica claro quando observamos a participação de deficientes por idade, como percentual da população na mesma faixa etária. Enquanto apenas 2,77% dos indivíduos de 0 a 14 anos eram deficientes em 2010, esse número chegou a 13,85% das pessoas entre 45 e 49 anos, e a 48% nas pessoas com idade entre 70 e 74 anos. Em Pernambuco, a deficiência na faixa de 75 a 79 anos foi 17,63 vezes à verificada na faixa de 0 a 14 anos. No Brasil, essa proporção foi de 17,29 vezes. Esses dados confirmam a hipótese de que a pobreza gera mais deficiência.

Ou seja, como os autores citados acima identificaram, a pobreza gera muito sofrimento, que vai desde a fome, a velhice precoce, a herança prejudicada, doenças variadas e também a deficiência física. É muito sofrimento que ela traz. Isso significa que é justo que o governo federal trabalhe para tirar do benefício dos programas sociais aqueles que foram colocados sem efetivamente estarem qualificados para tal, pois o governo Bolsonaro transformou esses programas apenas em compra de votos e o voto do pobre vale tanto quanto o do não tão pobre. Contudo, essas auditorias têm que ser muito cautelosas para não começar a tirar pessoas que efetivamente são pobres. Talvez o governo devesse investir mais em reduzir as emendas parlamentares como forma de equilibrar o orçamento em 2025. Sei que o Centrão tem parte com o capeta, mas ainda assim, pelo bem, vale lutar contra ele.