Catando fatos

Vladimir Souza Carvalho
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Publicação: 31/08/2024 03:00

A começar que não era flor que se cheirasse. Contumaz em escarrar na calçada de morador da mesma rua em que residia, com quem, talvez, não simpatizasse, deixando sempre um pé de capim com areia. Nada ético, portanto. Depois de encher a mulher de filhos e desta ter se acamado, caiu fora, passando a viver com uma divorciada de Campo do Brito. Um dia, bateu na minha porta, em Itabaiana, a reclamar que o ex-marido da namorada não estava pagando a pensão alimentícia. Ouviu e repeti a cantilena de sempre: era juiz em Campo do Brito. Fosse lá fazer a reclamação. Não foi, como não foi um serventuário aposentado, também vivendo com mulher divorciada, que me procurou, em Itabaiana, para reclamar o mesmo fato e receber idêntica resposta. Os autos dos aludidos processos continuaram no arquivo, descansando em berços esplêndidos. Algo, que nunca descobri, impedia de se deslocarem até a sede da Comarca. Problema deles.

Mais grave foi o delegado que, num sábado à tarde, parou o veículo quase na minha porta, me comunicando que duas pessoas trocaram tiros em praça pública, uma morreu; a outra, estava ferida, no carro, sendo agora por ele conduzida a hospital em Aracaju. Da minha porta dava para ver o ferido de cabeça arriada, o vermelho do sangue escorrido bem visível.  Ora, não perca tempo. Leva o homem para Aracaju evitando que morra, pelo menos, em minha porta. Não morreu.

Acrescento a reclamação que foi feita a minha mãe por um conhecido senhor. A grave acusação de que eu tinha dado imóvel do falecido pai a uma nora viúva. Fiquei sem atinar para o fato. Como, na condição de juiz, poderia doar imóvel que não era meu?! Conversa sem pé nem cabeça. Depois, descobri o fio da meada: pai com vários filhos. Todos passam a morar em outra cidade, ficando apenas um, que, casado, se mantém na propriedade paterna. Com o óbito deste, e, depois, da do filho, a viúva do último entra com ação de usucapião, demonstra, via testemunhas, a posse mansa e pacífica por mais de vinte anos, de pai para filho, vizinhos citados, as Fazendas Públicas cientificadas, desconhecida oposição a posse. Descobri a charada. Outros casos assim ocorreram.

Ontem, aqui e ali, um fato fora da curva. Hoje, a memória a catá-los juntando-os em cesto de rememorações, retratos de tempos idos, evitando a pucumã envolvê-los na teia do esquecimento.