José da Costa Soares
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Pernambuco e sócio efetivo do IAHGP
Publicação: 01/05/2025 03:00
Tema ainda muito pouco debatido dentro dos limites do Estado de Pernambuco é a adoção do chamado “ICMS Cultural”, uma ferramenta tributária que, se bem compreendida e implementada, pode significar relevante fonte de financiamento para a proteção e o fomento do patrimônio cultural pernambucano.
Em um primeiro momento, como qualquer proposta inovadora de natureza tributária, notadamente no Brasil, um dos países de maior voracidade fiscal do planeta, a reação é de antipatia.
Porém, tal resistência pode ser facilmente vencida se apresentada a característica mais especial do modelo de ICMS Cultural que defendemos: o imposto, dentro das balizas já estabelecidas na Constituição Federal e com precedente bem-sucedido aplicado no sudeste do país, não significa a criação de um tributo novo, nem onera, sob nenhum aspecto, o contribuinte.
Isso mesmo: tudo acontece com as receitas que já existem no nosso ordenamento.
Eu passo a explicar.
Inicialmente, é de se dizer que ICMS significa Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação. Como tal, é considerado o imposto estadual mais importante e, em alguns casos, chega a representar até 90% da arrecadação do estado. Está regulamentado em âmbito federal pela Lei Complementar n.o 87/1995 (Lei Kandir), mas cada estado da federação tem a sua legislação para regulamentar o tributo.
De acordo com a Constituição Federal (art. 158, inciso IV), 25% do ICMS arrecadado pelos estados pertencem aos municípios. Porém, a proporcionalidade dessa distribuição pode seguir critérios e leis estaduais distintas.
Neste ponto, chegamos à experiência bem-sucedida já aplicada com sucesso no Brasil: o modelo de Minas Gerais, por meio da chamada “Lei Hobin Hood”.
A lei estadual mineira n.o 12.428/1996 estabelece o seguinte: parte do ICMS arrecadado (1% sobre os 25%) é distribuído aos municípios que investem na proteção dos seus patrimônios culturais, com base nos critérios nela descritos, como, só para citar alguns exemplos, o tombamento e o registro de bens, o inventário de proteção do patrimônio cultural local, a criação do Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural e a existência de planejamento e de política municipal de proteção do patrimônio cultural, dentre outros.
Como se percebe, a proposta do ICMS Cultural adotada em Minas Gerais, cuja aplicação nós defendemos aqui em Pernambuco, beneficia os municípios que mais investem na proteção do seu patrimônio cultural. Com maior número de bens culturais protegidos, maior a responsabilidade do município e mais recursos são necessários para a preservação desse patrimônio. Ou seja: quanto mais se investe, mais dinheiro o município recebe do estado. É um sistema que se retroalimenta, estimulando, cada vez mais, a proteção do patrimônio cultural local.
Mensalmente, esse cálculo é feito pela receita estadual com base na “pontuação” que cada município aufere naquele intervalo de 30 (trinta dias). Tais dados são levantados e repassados ao órgão fazendário pela entidade estadual responsável pela proteção e fomento do patrimônio cultural, no caso de Pernambuco, a Fundarpe.
A sistemática pode parecer complexa, mas não é. Isto porque traz consigo um outro elemento muito importante: a participação popular. Para que cada ato de um prefeito (por exemplo, a reforma do coreto da praça, o patrocínio de um livro sobre a história da cidade ou mesmo o resgate da banda municipal) tenha validade, esteja protegido dos desvios de finalidade/corrupção e, portanto, seja capaz de “pontuar” no cálculo do repasse do ICMS Cultural, é pressuposto indispensável que aquele município possua o seu Conselho Municipal de Patrimônio Cultural regularmente instalado e que este colegiado, de maneira autônoma, aprove o projeto do poder executivo para a proteção ou o fomento do patrimônio cultural local.
Em outras palavras: a sociedade, além de fiscalizar, tem que aprovar.
Um aspecto importante é que este modelo mineiro não se confunde com o formato adotado, por exemplo, no estado vizinho da Paraíba, cujo ICMS Cultural buscou inspiração na Lei Rouanet (Lei Federal n.o 8.313/1991). Pela Lei Rouanet (frise-se, a lei mais atacada por fake news neste país), empresas e pessoas físicas podem doar para projetos culturais e obter, como consectário, deduções no Imposto de Renda. No caso do ICMS Cultural paraibano, a lógica é a mesma, com a diferença de que as pessoas físicas e jurídicas doam ao setor cultural e, como consequência, estão desobrigadas de recolher este valor doado ao estado a título de ICMS.
A proposta mineira seria para Pernambuco algo absolutamente inovador.
Apenas como exemplo, no ano de 2020, em plena pandemia, o Estado de Minas Gerais repassou aos seus municípios a quantia de R$ 102.989.144,40, a título de ICMS Cultural.
Para um setor tantas vezes relegado a um plano secundário nas gestões públicas, esta política tributária de enorme alcance social pode representar um suporte financeiro muito interessante, gerando uma cadeia de positividade em cada localidade em que chegar.
Atualmente, 98% dos municípios mineiros estão cobertos pelo ICMS Cultural. É viável. É possível. E os resultados chegam na ponta.
Basta Pernambuco querer.
Em um primeiro momento, como qualquer proposta inovadora de natureza tributária, notadamente no Brasil, um dos países de maior voracidade fiscal do planeta, a reação é de antipatia.
Porém, tal resistência pode ser facilmente vencida se apresentada a característica mais especial do modelo de ICMS Cultural que defendemos: o imposto, dentro das balizas já estabelecidas na Constituição Federal e com precedente bem-sucedido aplicado no sudeste do país, não significa a criação de um tributo novo, nem onera, sob nenhum aspecto, o contribuinte.
Isso mesmo: tudo acontece com as receitas que já existem no nosso ordenamento.
Eu passo a explicar.
Inicialmente, é de se dizer que ICMS significa Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação. Como tal, é considerado o imposto estadual mais importante e, em alguns casos, chega a representar até 90% da arrecadação do estado. Está regulamentado em âmbito federal pela Lei Complementar n.o 87/1995 (Lei Kandir), mas cada estado da federação tem a sua legislação para regulamentar o tributo.
De acordo com a Constituição Federal (art. 158, inciso IV), 25% do ICMS arrecadado pelos estados pertencem aos municípios. Porém, a proporcionalidade dessa distribuição pode seguir critérios e leis estaduais distintas.
Neste ponto, chegamos à experiência bem-sucedida já aplicada com sucesso no Brasil: o modelo de Minas Gerais, por meio da chamada “Lei Hobin Hood”.
A lei estadual mineira n.o 12.428/1996 estabelece o seguinte: parte do ICMS arrecadado (1% sobre os 25%) é distribuído aos municípios que investem na proteção dos seus patrimônios culturais, com base nos critérios nela descritos, como, só para citar alguns exemplos, o tombamento e o registro de bens, o inventário de proteção do patrimônio cultural local, a criação do Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural e a existência de planejamento e de política municipal de proteção do patrimônio cultural, dentre outros.
Como se percebe, a proposta do ICMS Cultural adotada em Minas Gerais, cuja aplicação nós defendemos aqui em Pernambuco, beneficia os municípios que mais investem na proteção do seu patrimônio cultural. Com maior número de bens culturais protegidos, maior a responsabilidade do município e mais recursos são necessários para a preservação desse patrimônio. Ou seja: quanto mais se investe, mais dinheiro o município recebe do estado. É um sistema que se retroalimenta, estimulando, cada vez mais, a proteção do patrimônio cultural local.
Mensalmente, esse cálculo é feito pela receita estadual com base na “pontuação” que cada município aufere naquele intervalo de 30 (trinta dias). Tais dados são levantados e repassados ao órgão fazendário pela entidade estadual responsável pela proteção e fomento do patrimônio cultural, no caso de Pernambuco, a Fundarpe.
A sistemática pode parecer complexa, mas não é. Isto porque traz consigo um outro elemento muito importante: a participação popular. Para que cada ato de um prefeito (por exemplo, a reforma do coreto da praça, o patrocínio de um livro sobre a história da cidade ou mesmo o resgate da banda municipal) tenha validade, esteja protegido dos desvios de finalidade/corrupção e, portanto, seja capaz de “pontuar” no cálculo do repasse do ICMS Cultural, é pressuposto indispensável que aquele município possua o seu Conselho Municipal de Patrimônio Cultural regularmente instalado e que este colegiado, de maneira autônoma, aprove o projeto do poder executivo para a proteção ou o fomento do patrimônio cultural local.
Em outras palavras: a sociedade, além de fiscalizar, tem que aprovar.
Um aspecto importante é que este modelo mineiro não se confunde com o formato adotado, por exemplo, no estado vizinho da Paraíba, cujo ICMS Cultural buscou inspiração na Lei Rouanet (Lei Federal n.o 8.313/1991). Pela Lei Rouanet (frise-se, a lei mais atacada por fake news neste país), empresas e pessoas físicas podem doar para projetos culturais e obter, como consectário, deduções no Imposto de Renda. No caso do ICMS Cultural paraibano, a lógica é a mesma, com a diferença de que as pessoas físicas e jurídicas doam ao setor cultural e, como consequência, estão desobrigadas de recolher este valor doado ao estado a título de ICMS.
A proposta mineira seria para Pernambuco algo absolutamente inovador.
Apenas como exemplo, no ano de 2020, em plena pandemia, o Estado de Minas Gerais repassou aos seus municípios a quantia de R$ 102.989.144,40, a título de ICMS Cultural.
Para um setor tantas vezes relegado a um plano secundário nas gestões públicas, esta política tributária de enorme alcance social pode representar um suporte financeiro muito interessante, gerando uma cadeia de positividade em cada localidade em que chegar.
Atualmente, 98% dos municípios mineiros estão cobertos pelo ICMS Cultural. É viável. É possível. E os resultados chegam na ponta.
Basta Pernambuco querer.