Diario esportivo

por Fred Figueiroa

Publicação: 01/08/2017 03:00

Sobre direitos e deveres

Lembro bem dos primeiros momentos de Alírio Moraes na presidência do Santa Cruz. São dias sempre marcados por dezenas de entrevistas para TV, rádios, podcasts, jornais e sites. Em todas, o novo presidente demonstrava ter um perfil que rompia completamente com as práticas comuns e os estereótipos dos antigos dirigentes. Sobretudo nas questões que iriam além do futebol. Na verdade, justamente por ter um perfil mais “pés no chão” no aspecto financeiro e diretamente ligado às questões sociais e culturais - cheguei a ter sérias dúvidas se Alírio se adaptaria ao cargo. O que, diga-se de passagem, acabou acontecendo.

O problema é que essa adaptação parece ter afastado o Alírio presidente daquele Alírio que todos enxergavam antes de iniciar sua gestão. Talvez o rombo financeiro que ele encontrou ao assumir o cargo tenha sido maior do que imaginava - o que é difícil, já que foi “apresentado” publicamente como um dos principais responsáveis por minimizar legalmente o colapso financeiro do clube no ano da sua eleição. Ou talvez a pressão - quase uma obrigação - em ter um elenco competitivo com a escassez de recursos tenha distanciado o dirigente do seu eixo. Seja como for, as práticas e entrevistas de Alirio vão na contramão das primeiras impressões.

A primeira decepção
O drama dos funcionários, que atravessaram meses e meses sem salário - marcados por repetidas promessas não cumpridas -, foi a primeira grande decepção. Não considero aceitável que a “conta” do descontrole financeiro do futebol seja paga pelo lado mais fraco. E foi o que aconteceu. Os que ganham menos foram justamente os que mais sofreram com atrasos salariais no ano passado - tendo chegado a um semestre inteiro sem receber seus salários. Uma condição desumana. E, que fique claro, foi uma questão de escolha. Na temporada de 2016, presente na Série A, o Santa Cruz teve uma receita muito acima da sua média. E, ainda que proporcionalmente à divisão em que estava inserido, o Tricolor fosse um dos clubes com orçamento mais baixo, a “escolha” da direção foi gastar tudo na montagem de um time que não podia pagar. O rombo só aumentou.

A repetição dos erros
Os recorrentes atrasos salariais de 2016 levaram o Santa Cruz a ser o primeiro clube do país punido com a perda de pontos pelo STJD por ter descumprido as regras do fair play financeiro. Esportivamente, os três pontos retirados da campanha do ano passado não tiveram qualquer consequência prática. Ficou, no entanto, o dano moral e o desgaste à imagem do clube. Mas Alirio parece não ter aprendido a lição e o clube do Arruda segue em 2017 repetindo os mesmos erros. Cheguei a escrever em um dos últimos textos do ano passado que a nova temporada exigiria uma revolução financeira. Necessidade que não saiu do papel. Pelo contrário. As dívidas do ano passado seguem sendo cobradas publicamente por ex-jogadores e ex-treinadores. E, como se não bastasse, novas dívidas continuam sendo geradas pela falta de pagamento. Mês a mês, a situação vai se agravando. Não por acaso,  ontem aconteceu mais um novo e lamentável capítulo.

Direitos? só na Justiça
O atacante argentino Facundo Parra postou uma foto em seu instagram reclamando dos atrasos salariais no Santa Cruz. Primeiro escreveu apenas: “Esperando uma solução”. Ao ser questionado sobre o motivo da postagem, o jogador detalhou em um comentário abaixo: “Eles não pagaram salário de abril, maio, junho e junho. Só falaram que estava dispensado. Eu tenho família e dois filhos”, desabafou. Diante da repercussão da postagem, o repórter Rafael Brasileiro, do Superesportes, procurou o presidente tricolor para comentar o fato e a resposta de Alirio foi assustadora e, mais uma vez, decepcionante:

“O jogador foi dispensado por orientação do treinador e, segundo a determinação do nosso departamento jurídico, esses casos por saída de motivações técnicas ou profissionais, o acordo será feito na Justiça do Trabalho. O jogador deve apresentar a reclamação trabalhista em juízo e o acordo será celebrado na primeira audiência, como fazem várias empresas. Neste caso, o atleta, sendo sabedor disso, foi lá tumultuar", afirmou o dirigente.

Novo conceito de tumulto

Ou seja, o clube não cumpre sua mais básica responsabilidade há meses e, mesmo assim, o atleta seguia trabalhando normalmente. Quando deixou de ser do interesse do atual treinador a sua permanência no elenco, o presidente comunica que ele simplesmente está dispensado e o orienta a lutar pelos seus direitos na Justiça do Trabalho. E Parra não tem nem direito de reclamar. Aparecer no clube foi definido por Alirio como uma forma de “tumultuar”. Uma visão muito questionável. Uma postura, no mínimo, triste.