A arte da guerra e a guerra da arte
Cem anos separam a pintura de Albin Egger-Lienz e a montagem fotográfica de Bushra Shanan. Um mesmo tema para dois grandes conflitos
PAULO GOETHE (TEXTO)
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GREG (ARTE SOBRE IMAGENS DE Albin Egger-Lienz e Bushra Shanan )
Publicação: 06/08/2014 03:00
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Dez décadas depois, é hora de reverenciar talentos como Albin Egger-Lienz (1868-1926), que em 1914 criou a pintura Aqueles que perderam seus nomes, obra gigantesca que mostra soldados que dão adeus à sua individualidade, marchando como condenados em uma terra que antecipa suas covas. Ou o alemão Otto Dix (1891-1969), pintor expressionista que se alistou com entusiasmo e ficou tão impactado pela guerra que passou a retratar o conflito como um conjunto de corpos deformados. Seu autorretrato, pintado ainda em 1914, mostra mais um monstro do que um homem. Os nazistas nunca gostaram da temática antimilitar do ex-soldado. Dix teve obras destruídas e sobreviveu à Segunda Guerra como prisioneiro.
A lista de pintores de talento que viram de perto os horrores da primeira guerra inclui Max Beckmann, Ernst Ludwig Kirchner, Marcel Gromaire, Conrad Felixmüller, Lovis Corinth, Oskar Kokoschka, Henri de Groux, Charles de Groux, Adolf Erbslöh, Georges Leroux, Paul Nash, William Roberts e John Singer Sargent. As obras deles podem ser vistas em museus na Europa e também na internet. Vale a pena investir alguns minutos da vida para navegar neste universo de dor e espanto.
É da rede mundial que novos artistas tiram proveito para divulgar uma guerra que parece nunca acabar. Palestinos como Bushra Shanan utilizam fotografias de explosões provocadas por ataques israelenses na Faixa de Gaza para aplicar rostos de crianças mortas. Designer gráfico, 25 anos de idade, Shanan faz parte de um movimento que une artistas plásticos e fotógrafos interessados em mostrar ao mundo uma resistência em forma de propaganda criativa.
Tawfik Gebreel e Belal Khaled também transformam as nuvens de fumaça e pó em figuras humans e animais. Nos seu perfil do Facebook, Khaled, fotógrafo de profissão, apresenta o lado mais cru do conflito na Terra Santa, com crianças mortas, mães em desespero, feridos sem noção para onde ir. É material que não ilustra o noticiário de agências de notícias.
Cem anos separam as obras de Albin Egger-Lienz e Bushra Shanan, cujas imagens ilustram esta página. Enquanto o primeiro desumaniza os personagens de propósito, o segundo faz o contrário, escancarando as baixas humanas por trás dos ataques definidos como cirúrgicos.
Quem é a favor da guerra costuma acusar os artistas de deformar a realidade. E é melhor que seja sempre assim, porque a pintura antes e agora a fotografia podem revelar universos que não poderíamos frequentar e voltar a salvo. Porque ninguém sai ileso de uma guerra. Ainda mais os artistas. E nós.