A bailarina
O sonho da menina Déborah, de 14 anos, é ser bailarina clássica profissional; e tudo que ela precisa é de alguém que aposte nesse sonho
silvia bessa
silviabessa.pe@dabr.com.br
Publicação: 25/04/2015 03:00
Déborah Katherine, na ponta do pé, no pátio da sua residência, no bairro de Campo Grande |
Que sorte tem Déborah. Filha de família humilde e persistente, mora numa casa miúda, numa espécie de vila no bairro de Campo Grande, Zona Norte do Recife. A mãe, Edna, trabalha no comércio de dia; à noite, em finais de semana e feriados costura para fora para ajudar a pagar contas e dar alegrias à filha. O avô por parte de mãe, seu Aurélio, é vigilante aposentado, assim como a avó, dona Enedina, que era da produção de uma fábrica de água sanitária. Não foi uma nem duas vezes que os três fizeram manobras para garantir que a garota continuasse a dançar. Bancaram centenas de passagens de transportes coletivos, taxas de apresentações e despesas com vários tutus da bailarina.
“Quando chego na casa de meu avô, ele pergunta: ‘Tem aula hoje?’. Se respondo que sim, ele sorri e sempre dá um dinheiro para o lanche”, conta. “Nas apresentações de final de ano, meu marido faz questão de levar todo mundo de táxi e chora de alegria quando vê a neta”, completa a avó, envaidecida. A mãe, Edna, é feita de satisfação. Guarda tudo que é foto, da época em que a menina “ainda nem sabia fazer a pose direito”. A garota diz que o balé foi primeiro o sonho dos três; depois, virou o dela.
Déborah é orgulho dessa família. Ela reluz por onde anda nas ruas dos bairros da periferia: 1,84 metro de altura, 48 quilos, corpo esguio, sorriso timidamente encantador. “Claro que todo mundo pergunta se sou bailarina”, responde, ao comentar sobre a curiosidade alheia. No pescoço, pingente de bailarina. Na bolsa que guarda a roupa da aula de balé aos sábados, uma pintura colorida de sapatilhas de pontas. É, ela quer ser bailarina. Começou a preparação aos 3 anos com duas aulas na semana na escolinha de dança particular da Encruzilhada, paga com todo sacrifício. Aos seis, sete anos, integrou-se ao grupo das irmãs Ilka e Rejane Chár, conhecido como Arte com o Corpo.
Faltavam barras, espelhos para treinamento dos passos, mas nunca empenho das professoras e alunas, que contavam com colaborações eventuais de diretores de colégios públicos e privados para a cessão de salas vazias. Nunca foi fácil. “São cinquenta alunas hoje. Algumas filhas de empregadas domésticas, faxineiras... muitas precisam de até quatro passagens para chegar à academia”, relata Ilka, que ministra um aulão por semana - aos sábados - à turma de bolsistas, desde fevereiro abrigada no Nefertiti Stúdio de Danças, em Casa Caiada (Olinda). “Lidamos com muitas dificuldades, mas digo que somos um grupo genérico com o mesmo efeito dos originais”, brinca a professora, que neste domingo leva o grupo para se apresentar no Teatro Ribeira, em Olinda, a partir das 18h. “O que fazemos é a alfabetização do balé. Déborah está conosco desde pequena e é muito esforçada”, afirma.
Desde que vi Déborah pela primeira vez há dois meses só consigo pensar que essa menina, com corpo e determinação de bailarina, precisa de patrocínio para seguir o seu sonho adolescente. Ela anseia por uma academia de ponta que acredite nela. Sua história pede que alguém custeie o transporte até as aulas, que aposte na esperança de uma menina negra, pobre, que fecha os olhos para ouvir valsas vienenses.
Se eu fosse você, caro leitor, acessaria o Youtube, ligaria alto o som do computador ou do celular e ouviria de olhos fechados André Rieu, imaginando como seria essa menina da periferia do Recife dançar balé clássico como profissional.