A bailarina O sonho da menina Déborah, de 14 anos, é ser bailarina clássica profissional; e tudo que ela precisa é de alguém que aposte nesse sonho

silvia bessa
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Publicação: 25/04/2015 03:00

Déborah Katherine, na ponta do pé, no pátio da sua residência, no bairro de Campo Grande (GUILHERME VERÍSSIMO)
Déborah Katherine, na ponta do pé, no pátio da sua residência, no bairro de Campo Grande
A música mais linda do mundo é aquela que emoldura os sonhos adolescentes. É quase sempre uma harmonia romântica porque tem pouco passado e mais futuro. Os acordes que fazem Déborah Katherine Souza fechar os olhos de emoção são do famoso violinista André Rieu - o das valsas vienenses. As valsas a remetem à dedicação ao balé, desde a época em que ia de ônibus aos 3 anos com a mão agarradinha à da avó, dona Enedina, até a escola de dança perto da maternidade da Encruzilhada, no Recife, e a conduzem a uma vida adulta. “Sempre adorei o balé. Meu destino é ser bailarina clássica”, afirma Déborah, 14 anos, enquanto mostra saias de filó de quase-bebê e narra as emoções que já causou no trio que diz para ela - com gestos - “vá, menina, corra atrás daquilo que quer”.

Que sorte tem Déborah. Filha de família humilde e persistente, mora numa casa miúda, numa espécie de vila no bairro de Campo Grande, Zona Norte do Recife. A mãe, Edna, trabalha no comércio de dia; à noite, em finais de semana e feriados costura para fora para ajudar a pagar contas e dar alegrias à filha. O avô por parte de mãe, seu Aurélio, é vigilante aposentado, assim como a avó, dona Enedina, que era da produção de uma fábrica de água sanitária. Não foi uma nem duas vezes que os três fizeram manobras para garantir que a garota continuasse a dançar. Bancaram centenas de passagens de transportes coletivos, taxas de apresentações e despesas com vários tutus da bailarina.
 “Quando chego na casa de meu avô, ele pergunta: ‘Tem aula hoje?’. Se respondo que sim, ele sorri e sempre dá um dinheiro para o lanche”, conta. “Nas apresentações de final de ano, meu marido faz questão de levar todo mundo de táxi e chora de alegria quando vê a neta”, completa a avó, envaidecida. A mãe, Edna, é feita de satisfação. Guarda tudo que é foto, da época em que a menina “ainda nem sabia fazer a pose direito”. A garota diz que o balé foi primeiro o sonho dos três; depois, virou o dela.

Déborah é orgulho dessa família. Ela reluz por onde anda nas ruas dos bairros da periferia: 1,84 metro de altura, 48 quilos, corpo esguio, sorriso timidamente encantador. “Claro que todo mundo pergunta se sou bailarina”, responde, ao comentar sobre a curiosidade alheia. No pescoço, pingente de bailarina. Na bolsa que guarda a roupa da aula de balé aos sábados, uma pintura colorida de sapatilhas de pontas. É, ela quer ser bailarina. Começou a preparação aos 3 anos com duas aulas na semana na escolinha de dança particular da Encruzilhada, paga com todo sacrifício. Aos seis, sete anos, integrou-se ao grupo das irmãs Ilka e Rejane Chár, conhecido como Arte com o Corpo.
Faltavam barras, espelhos para treinamento dos passos, mas nunca empenho das professoras e alunas, que contavam com colaborações eventuais de diretores de colégios públicos e privados para a cessão de salas vazias. Nunca foi fácil. “São cinquenta alunas hoje. Algumas filhas de empregadas domésticas, faxineiras... muitas precisam de até quatro passagens para chegar à academia”, relata Ilka, que ministra um aulão por semana - aos sábados - à turma de bolsistas, desde fevereiro abrigada no Nefertiti Stúdio de Danças, em Casa Caiada (Olinda). “Lidamos com muitas dificuldades, mas digo que somos um grupo genérico com o mesmo efeito dos originais”, brinca a professora, que neste domingo leva o grupo para se apresentar no Teatro Ribeira, em Olinda, a partir das 18h.  “O que fazemos é a alfabetização do balé. Déborah está conosco desde pequena e é muito esforçada”, afirma.

Desde que vi Déborah pela primeira vez há dois meses só consigo pensar que essa menina, com corpo e determinação de bailarina, precisa de patrocínio para seguir o seu sonho adolescente. Ela anseia por uma academia de ponta que acredite nela. Sua história pede que alguém custeie o transporte até as aulas, que aposte na esperança de uma menina negra, pobre, que fecha os olhos para ouvir valsas vienenses.

Se eu fosse você, caro leitor, acessaria o Youtube, ligaria alto o som do computador ou do celular e ouviria de olhos fechados André Rieu, imaginando como seria essa menina da periferia do Recife dançar balé clássico como profissional.