Sobre meninos e lobos
Vítima de abuso sexual aos 6 anos e ex-catador de lixo, Édson tem um segredo e uma bela história de coragem
e superação
Silvia Bessa
silviabessa.pe@dabr.com.br
Publicação: 18/07/2015 03:00
O silêncio tinha mais que uma tonelada e o peso ficou insuportável sobre os ombros de Édson. Era a soma do horror, medo, repulsa, desconhecimento, dúvidas, vergonha, tristeza, solidão. Da pior lembrança da sua vida. De quando, aos 6 anos, meninote, foi abusado pelo vizinho no Bongi, Zona Oeste do Recife, endereço da tragédia que lhe marcou. Nem de longe sabia o que era sexo. Édson conviveu com a junção desses doloridos sentimentos durante 37 anos. “Mas eu cansei de carregar escondido”, confidenciou-me esta semana, decidido a quebrar um tabu sobre segredos familiares e crimes cometidos por homens que viram lobos. Édson juntou pedaços, prendeu o riso solto que lhe é particular e se disse forte para contar sua história sem ressalvas.
A de Édson Francisco do Carmo, 43 anos, vítima de violência sexual, ex-carroceiro e catador de lixo aos 9 anos, limpador de matos, entregador de água mineral, dançarino, cozinheiro, segurança de loja. Hoje, durante o dia, vendedor numa tradicional loja de informática e, à noite, garçom numa pizzaria. Édson, casado, pai de quatro filhos. Um anônimo apresentado entre uma pizza de cinco queijos e um gole de refrigerante que me disse: “Ouço muitos relatos de amigos sobre abusos, tanto de homens quanto de mulheres. Olhe para o lado que haverá casos parecidos guardados. Tenho responsabilidade em falar”.
No depoimento de Édson havia não só a coragem de um homem ávido por desvendar para a mãe Conceição, o pai Milton, irmãos e filhos sobre um passado que lhe consome e que os parentes desconhecem. Tinha a maturidade para explicar o motivo que lhe fez falar: “Sei que muitas crianças passam por isso. Elas precisam saber que podem ter uma vida normal, casar, ter mulheres e filhos”, disse. “No caso dos homens, não é porque foram abusados que viram gay. É importante porque talvez passe pela cabeça da criança essa questão de ser gay ou não”. Quando criança e adolescente, deixava de verbalizar o abuso sofrido por temer que amigos e irmãos fizessem comentários descabidos ao relacionar a violência com a sua maneira alegre de ser, seu gosto pela dança ou pela moda afro.
Foi em 2013 que ouviu incrédulo as confissões de Xuxa, igualmente molestada. No caso dela, até os 13 anos. Pouco depois, Édson assistiu a relatos semelhantes da vida real transmitidos por uma novela. Começou aí a partilhar a experiência com conhecidos e desconhecidos. Diante da família, sustentou o silêncio.
Como a apresentadora Xuxa Meneghel, Édson Francisco diz que foi conduzido e cresceu guiado pelo exemplo da mãe, Conceição Gomes da Silva (“O que sou é por causa dela”). Por ela, e para ajudar na criação dos oito irmãos, concentrou-se em um objetivo: precisava conseguir dinheiro. “Acho que ela não sabe até hoje que virei carroceiro aos nove anos, mas já naquela época eu tinha em mente que deveria pedir por favor para tirar lixo da frente de uma padaria”, conta. “Educação é tudo”.
Édson hoje trabalha em tripla jornada (duas na loja InfoHouse; uma na Deli Pizza da Domingos Ferreira). Pega o primeiro ônibus do dia, o bacurau, e chega em casa, no município de São Lourenço, para dormir pouco (“Tenho fé que vou sair do aluguel”). Atende com sorriso aberto e costuma ser simpático. “Se você trabalha no restaurante e lava pratos, estude para ser o pizzaiolo. Se é fotógrafo (olhou para o fotógrafo Rafael Martins, autor da foto deste artigo), lute para ter uma equipe de fotógrafos. Ou seja, queira mais porque a gente pode ser o que quiser”.
Há quem diga que só quem passa por uma violência sexual entende a distância entre o segredo e a exposição do abuso sofrido. Ao falar, Édson Francisco do Carmo quer mais para ele, para outras famílias, meninos e meninas.
A de Édson Francisco do Carmo, 43 anos, vítima de violência sexual, ex-carroceiro e catador de lixo aos 9 anos, limpador de matos, entregador de água mineral, dançarino, cozinheiro, segurança de loja. Hoje, durante o dia, vendedor numa tradicional loja de informática e, à noite, garçom numa pizzaria. Édson, casado, pai de quatro filhos. Um anônimo apresentado entre uma pizza de cinco queijos e um gole de refrigerante que me disse: “Ouço muitos relatos de amigos sobre abusos, tanto de homens quanto de mulheres. Olhe para o lado que haverá casos parecidos guardados. Tenho responsabilidade em falar”.
No depoimento de Édson havia não só a coragem de um homem ávido por desvendar para a mãe Conceição, o pai Milton, irmãos e filhos sobre um passado que lhe consome e que os parentes desconhecem. Tinha a maturidade para explicar o motivo que lhe fez falar: “Sei que muitas crianças passam por isso. Elas precisam saber que podem ter uma vida normal, casar, ter mulheres e filhos”, disse. “No caso dos homens, não é porque foram abusados que viram gay. É importante porque talvez passe pela cabeça da criança essa questão de ser gay ou não”. Quando criança e adolescente, deixava de verbalizar o abuso sofrido por temer que amigos e irmãos fizessem comentários descabidos ao relacionar a violência com a sua maneira alegre de ser, seu gosto pela dança ou pela moda afro.
Foi em 2013 que ouviu incrédulo as confissões de Xuxa, igualmente molestada. No caso dela, até os 13 anos. Pouco depois, Édson assistiu a relatos semelhantes da vida real transmitidos por uma novela. Começou aí a partilhar a experiência com conhecidos e desconhecidos. Diante da família, sustentou o silêncio.
Como a apresentadora Xuxa Meneghel, Édson Francisco diz que foi conduzido e cresceu guiado pelo exemplo da mãe, Conceição Gomes da Silva (“O que sou é por causa dela”). Por ela, e para ajudar na criação dos oito irmãos, concentrou-se em um objetivo: precisava conseguir dinheiro. “Acho que ela não sabe até hoje que virei carroceiro aos nove anos, mas já naquela época eu tinha em mente que deveria pedir por favor para tirar lixo da frente de uma padaria”, conta. “Educação é tudo”.
Édson hoje trabalha em tripla jornada (duas na loja InfoHouse; uma na Deli Pizza da Domingos Ferreira). Pega o primeiro ônibus do dia, o bacurau, e chega em casa, no município de São Lourenço, para dormir pouco (“Tenho fé que vou sair do aluguel”). Atende com sorriso aberto e costuma ser simpático. “Se você trabalha no restaurante e lava pratos, estude para ser o pizzaiolo. Se é fotógrafo (olhou para o fotógrafo Rafael Martins, autor da foto deste artigo), lute para ter uma equipe de fotógrafos. Ou seja, queira mais porque a gente pode ser o que quiser”.
Há quem diga que só quem passa por uma violência sexual entende a distância entre o segredo e a exposição do abuso sofrido. Ao falar, Édson Francisco do Carmo quer mais para ele, para outras famílias, meninos e meninas.