Você conserta ou compra um novo?
Ideia bacana que se espalha pelo mundo e pode ser aplicada em qualquer lugar é uma das formas de reagir à fabricação de produtos que são feitos para durar pouco
Vandeck Santiago
vandecksantiago.pe@dabr.com.br
Publicação: 06/08/2015 03:00
Uma das certezas que todos temos ao comprar um aparelho, objeto ou peça é a seguinte: cedo ou tarde ele vai quebrar. Não quero bancar o pessimista, mas por experiência própria digo que mais cedo do que tarde. Aí você vai procurar um serviço que faça o conserto e provavelmente sairá de lá pensando em comprar um novo, porque o preço do reparo é tão alto que não compensa fazê-lo.
Não pense que isso vale apenas para nós, brasileiros; vale para o japonês, o norte-americano, o holandês, o mundo todo. Não pense que isso vale só para o celular de marca ou a TV de última geração; é algo generalizado, que pega do eletrônico ao varal de roupas suspenso que você compra para casa e ao fim de um tempo peça após peça começa a desabar.
Muitos dos produtos são fabricados hoje de forma a apresentar defeitos tão logo passe o tempo da garantia. Nem precisaria de pesquisa para constatar isso, a experiência de cada um de nós com o problema bastaria. Mas há uma pesquisa recente, feita pela PROTESTE, associação nacional de defesa do consumidor. Olha o resultado: 45% dos eletrônicos e eletrodomésticos adquiridos no Brasil dão defeito antes de dois anos de uso. Quer dizer: de cada dois, quase um. Os mais problemáticos são câmeras fotográficas, computadores e tablets. “E quando quebram”, diz texto da associação, “74% dos consumidores preferem substituí-los por um novo, sem recorrer às assistências técnicas, devido ao custo”. A pesquisa foi apresentada em seminário internacional há exatamente um ano, em agosto do ano passado, em São Paulo.
Mas imaginem que o preço do conserto fosse baixo - a maioria de nós, sobretudo agora em tempos de crise, optaria pelo serviço. Imaginem algo melhor: que o conserto fosse gratuito. Pois esta prática já existe, e é fruto de uma ideia capaz de ser replicada em qualquer cidade. Funciona assim: uma vez por semana especialistas voluntários se reúnem em um local para consertar tudo que chega lá com defeito ou quebrado. Eletrodomésticos, bicicletas, computadores, instrumentos musiciais, roupas, calçados, móveis, celulares… O local em que eles se reúnem chama-se Repair Café (algo assim como “Café Conserto”, numa tradução livre). Já existem hoje 750 Repair Cafés no mundo, em 18 países, incluindo Japão e Estados Unidos (países citados aqui pela renda per capita e por serem adoradores de todos esses gadgets de vida curta). No Brasil existe apenas um; fica em Santos (SP), criado pela Agência Nacional de Desenvolvimento Eco-Social (ANDES)
O movimento do Repair Café foi criado há cinco anos, na Holanda, por uma jornalista, Martine Postma. Os interessados em participar do projeto, ou abrir um Repair Café em sua cidade, podem ver como fazer isso acessando o site da entidade: http://
repaircafe.org.
A ideia não é só recuperar os objetos ou aparelhos; tem uma postura política essa prática: a de opor-se à chamada obsolescência programada, que é isso de que estamos falando aqui - produtos criados para ter vida curta e assim levar você a comprar um novo, numa escalada de consumo que prejudica o consumidor e o meio ambiente. E também à obsolescência perceptiva, que é quando a indústria lança uma versão nova do produto, com visual e atrativos mais modernos, fazendo com que a anterior fique como algo ultrapassado (e, portanto, descartável).
O fenômeno da obsolescência programada surgiu no período 1929-1930, nos EUA, como resposta à crise que o país vivia (a Grande Depressão). Hoje já existem vários estudos sobre o tema, e movimentos contrários, que tentam dar durabilidade aos produtos. Está disponível na internet um consagrado documentário sobre o assunto, The Light Bulb Conspiracy (A conspiração da lâmpada elétrica), da diretora Cosima Dannoritzer. O título diz respeito a um caso clássico, o das lâmpadas, que eram produzidas para durar 2,5 mil horas, e passaram a ser produzidas para durar apenas mil. Traz outro caso interessante de um consumidor que tenta consertar sua impressora, e só recebe respostas de que ela não tem conserto. Até que pesquisando ele descobre que a impressora tem um chip programado para determinar sua longevidade: ao atingir um determinado número de páginas, a impressora imediatamente deixa de funcionar.
No Brasil as discussões e reações contra esse tipo de coisas ainda são escassas. O fato de termos apenas um Repair Café é indicativo disso. Discutimos muito a reciclagem, mas o conserto do produto em vez de jogá-lo fora para comprar um novo é um passo adiante na questão. Gera menos lixo, poupa dinheiro, respeita o consumidor.
Quando a poeira levantada por uma crise assenta, sempre deixa à vista boas práticas que em condições de fartura mal seriam percebidas. Tomara que isso aconteça ao fim desta que estamos vivendo no Brasil.
Não pense que isso vale apenas para nós, brasileiros; vale para o japonês, o norte-americano, o holandês, o mundo todo. Não pense que isso vale só para o celular de marca ou a TV de última geração; é algo generalizado, que pega do eletrônico ao varal de roupas suspenso que você compra para casa e ao fim de um tempo peça após peça começa a desabar.
Muitos dos produtos são fabricados hoje de forma a apresentar defeitos tão logo passe o tempo da garantia. Nem precisaria de pesquisa para constatar isso, a experiência de cada um de nós com o problema bastaria. Mas há uma pesquisa recente, feita pela PROTESTE, associação nacional de defesa do consumidor. Olha o resultado: 45% dos eletrônicos e eletrodomésticos adquiridos no Brasil dão defeito antes de dois anos de uso. Quer dizer: de cada dois, quase um. Os mais problemáticos são câmeras fotográficas, computadores e tablets. “E quando quebram”, diz texto da associação, “74% dos consumidores preferem substituí-los por um novo, sem recorrer às assistências técnicas, devido ao custo”. A pesquisa foi apresentada em seminário internacional há exatamente um ano, em agosto do ano passado, em São Paulo.
Mas imaginem que o preço do conserto fosse baixo - a maioria de nós, sobretudo agora em tempos de crise, optaria pelo serviço. Imaginem algo melhor: que o conserto fosse gratuito. Pois esta prática já existe, e é fruto de uma ideia capaz de ser replicada em qualquer cidade. Funciona assim: uma vez por semana especialistas voluntários se reúnem em um local para consertar tudo que chega lá com defeito ou quebrado. Eletrodomésticos, bicicletas, computadores, instrumentos musiciais, roupas, calçados, móveis, celulares… O local em que eles se reúnem chama-se Repair Café (algo assim como “Café Conserto”, numa tradução livre). Já existem hoje 750 Repair Cafés no mundo, em 18 países, incluindo Japão e Estados Unidos (países citados aqui pela renda per capita e por serem adoradores de todos esses gadgets de vida curta). No Brasil existe apenas um; fica em Santos (SP), criado pela Agência Nacional de Desenvolvimento Eco-Social (ANDES)
O movimento do Repair Café foi criado há cinco anos, na Holanda, por uma jornalista, Martine Postma. Os interessados em participar do projeto, ou abrir um Repair Café em sua cidade, podem ver como fazer isso acessando o site da entidade: http://
repaircafe.org.
A ideia não é só recuperar os objetos ou aparelhos; tem uma postura política essa prática: a de opor-se à chamada obsolescência programada, que é isso de que estamos falando aqui - produtos criados para ter vida curta e assim levar você a comprar um novo, numa escalada de consumo que prejudica o consumidor e o meio ambiente. E também à obsolescência perceptiva, que é quando a indústria lança uma versão nova do produto, com visual e atrativos mais modernos, fazendo com que a anterior fique como algo ultrapassado (e, portanto, descartável).
O fenômeno da obsolescência programada surgiu no período 1929-1930, nos EUA, como resposta à crise que o país vivia (a Grande Depressão). Hoje já existem vários estudos sobre o tema, e movimentos contrários, que tentam dar durabilidade aos produtos. Está disponível na internet um consagrado documentário sobre o assunto, The Light Bulb Conspiracy (A conspiração da lâmpada elétrica), da diretora Cosima Dannoritzer. O título diz respeito a um caso clássico, o das lâmpadas, que eram produzidas para durar 2,5 mil horas, e passaram a ser produzidas para durar apenas mil. Traz outro caso interessante de um consumidor que tenta consertar sua impressora, e só recebe respostas de que ela não tem conserto. Até que pesquisando ele descobre que a impressora tem um chip programado para determinar sua longevidade: ao atingir um determinado número de páginas, a impressora imediatamente deixa de funcionar.
No Brasil as discussões e reações contra esse tipo de coisas ainda são escassas. O fato de termos apenas um Repair Café é indicativo disso. Discutimos muito a reciclagem, mas o conserto do produto em vez de jogá-lo fora para comprar um novo é um passo adiante na questão. Gera menos lixo, poupa dinheiro, respeita o consumidor.
Quando a poeira levantada por uma crise assenta, sempre deixa à vista boas práticas que em condições de fartura mal seriam percebidas. Tomara que isso aconteça ao fim desta que estamos vivendo no Brasil.