A Ilha é de Deus, dos camarões e dos homens O Diario conta neste domingo e segunda como pescadores e marisqueiras resistem a acusações de destruição do mangue e batalham pelo próprio sustento

Marcionila Teixeira
marcionilateixeira.pe@dabr.com.br

Publicação: 28/12/2014 03:00

Émerson Antunes cuida do cultivo de camarão de moradores da ilha desde criança. Adulto, passou a manter também o viveiro da família (ANNACLARICE ALMEIDA/DP/D.A PRESS)
Émerson Antunes cuida do cultivo de camarão de moradores da ilha desde criança. Adulto, passou a manter também o viveiro da família

Na Ilha de Deus, comunidade da Imbiribeira banhada pelos rios Jordão, Pina e braço sul do Capibaribe, a vida se alimenta das águas. Não fosse o mar carregado de seu sal curativo para visitar os rios poluídos na maré cheia, as espécies talvez já não respirassem. O encontro do mar com o rio promove fartura em forma de sururu, marisco e camarão. Traz sustento às famílias da ilha.

O sol ainda não tem raiado quando Émerson Antunes Silva, 35 anos, levanta para buscar o sustento da família, formada pela mulher e o filho de oito anos. Caminha apressado nas ruas recém-asfaltadas graças a uma ação estadual iniciada em 2007 e ainda inconclusa. Seu destino são os barracos montados próximos aos viveiros de camarão. É preciso estar vigilante nesta espécie de escritório montado na beira das águas. Em dia de maré alta, as águas levam o crustáceo e as garças aproveitam para se alimentar.

Qualquer distração também torna o cultivo vulnerável aos ladrões e pessoas interessadas em devastar o resto do mangue para implantar mais viveiros. “Ninguém pode destruir mais mangue por aqui há dez anos. Até replantei um trecho”, conta Émerson. Os roubos, diz ele, são praticados por dependentes de drogas. Por isso o plantão nos barracos não tem hora certa. No dia da entrevista, já eram 11h e Émerson não havia pregado os olhos ao longo da madrugada. Somente na ilha, são 100 viveiros. Da comunidade, o alimento parte para as mesas dos bairros vizinhos, bancas de feira e restaurantes.

Émerson toma conta do cultivo de outras pessoas e pesca na bacia do Pina desde criança. Adulto, assumiu o viveiro do sogro, que não se interessa muito pelo assunto, apesar das cifras do negócio. O dono do viveiro onde Émerson trabalha, Juscelino Cícero Sales, 38, por exemplo, lucra R$ 4 mil mensais. “Trabalho poucos dias no mês, principalmente na despesca e quando viajo ao Rio Grande do Norte para comprar as larvas”. Nos viveiros eles usam o camarão cinza, pois o natural do habitat, o caboclinho, acabou, dizem, por causa da poluição. “Aqui o cinza não se reproduz, pois é de laboratório”, explica Sales.

Na despesca, momento da retirada do camarão dos viveiros, as cifras vão para os donos dos cultivos e demais moradores, transformados em atravessadores junto aos clientes obtidos fora.