Diario urbano

Jailson da Paz
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Publicação: 01/04/2017 03:00

Parteira por tradição

Dona Zefinha deixou de contar as crianças que trouxe ao mundo. Quando parou a caneta, “estava na casa dos mil e tantos”. Isso há mais de uma década. O número atualizado de partos feitos por Josefa Alves de Carvalho supera dois mil. Inclua aí os cinco netos. Aos 77 anos, a parteira de Caruaru descarta o plano de se aposentar do dom de “pegar menino”. Dom é presente de Deus, afinal. Às vezes fica adormecido, mas despertado insiste em ficar. Na última quinta-feira, ao participar de seminário sobre as parteiras na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), no Recife, ela defendeu os saberes e as práticas dessas mulheres. Falou das dificuldades em manter uma tradição que enfrenta preconceitos. O maior, os dos que consideram os conhecimentos das parteiras inferiores aos aprendidos nas bancas escolares. Gasta dicotomia erudito versus popular. De fala apaixonada, dona Zefinha pediu “mais de atenção” das autoridades para o ofício que abraçou após nascer o primeiro dos seus quatro filhos, em meados dos anos 1960. Ofício do qual o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) abriu processo de reconhecimento como bem cultural, já concedido às Paneleiras das Goiabeiras, do Espírito Santo. Nos dois ofícios, saberes específicos, tradicionais. Para dona Zefinha, o saber de parteira veio por obra do destino. Uma vizinha dela, na Vila Itaúna, na área rural de Caruaru, estava em trabalho de parto, quando chamaram Josefa. “Não fui pensando em fazer o parto, mas como não tinha quem ajudasse fiz do mesmo jeito que a parteira fez em mim”. Deu certo. Nasceu um menino. E a fama da parteira correu as redondezas. A partir daí, dona Zefinha nunca mais parou.

Universo do parto
O cotidiano das parteiras pernambucanas pode ser conhecido no Museu da Parteira, exposição com término marcada para neste domingo na Fundaj, em Casa Forte. Na exposição, coordenada pelo Instituto Nômades e os grupos Curumim e de Pesquisas Narrativas do Nascer, resgatam-se chás, imagens de santos, equipamentos e vestimentas. Mais de 1,5 mil pessoas viram o Museu da Parteira até esta sexta-feira.

Bem cultural
O processo para transformar os saberes e práticas das parteiras tradicionais em patrimônio cultural, arquivado uma vez e reaberto, teve parecer favorável do Iphan no ano passado. E está na fase de elaboração do dossiê. Concluído, o documento seguirá para a instância máxima de avaliação do instituto, o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural. A ele, cabe o sim ou o não definitivo.

Mãos de Prazeres
Graças ao Museu da Parteira que o cineasta Leandro Guimarães, 32 anos, descobriu a mulher à frente do seu parto, Maria dos Prazeres de Souza, 79. Leandro nasceu no Hospital Português, onde a parteira, com diploma de enfermeira e aprendizagem do parto com a mãe e avó, trabalhou por mais de duas décadas. Nesta semana, os dois voltaram a se encontrar. O primeiro encontro foi no ano passado.

Grupos organizados

Quatro associações de parteiras estão organizadas em Pernambuco. Duas funcionam na Região Metropolitana, as de Jaboatão dos Guararapes e de Ipojuca. Uma está no Agreste, a de Caruaru. A quarta é de Trindade, no Sertão, fundada em 1994, mesmo ano de fundação da entidade de Jaboatão, que reúne parteiras tradicionais e hospitalares. O grupo de Trindade agrupa apenas tradicionais.

Cadastro no estado

Dos 184 municípios pernambucanos, 107 têm parteiras cadastradas pela Secretaria Estadual de Saúde. São 706 parteiras ao todo, distribuídas em municípios da Região Metropolitana do Recife, Zona da Mata, Agreste e Sertão. O cadastramento, com listas enviadas pelas prefeituras, integra o programa Trabalhando com parteiras tradicionais, coordenado nacionalmente pelo Ministério da Saúde.

Filhas da emergência
Em Palmares, na Mata Sul, 85% das parteiras iniciaram sua prática em casos de “emergência”. A constatação é do Instituto Nômades no projeto Saberes e práticas das parteiras tradicionais de Pernambuco. Fala-se de “emergência” porque as gestantes atendidas moravam em lugares distantes e de difícil acesso, onde em períodos de chuva o acesso somente é possível por trator ou a pé.

Apoio institucional

Pernambuco tem tradição nos processos organizativo e de qualificação das parteiras. Nos processos, o Grupo Curumim, de 1989, e o Cais do Parto, de 1991, são nomes corriqueiros. Ao Cais  estão relacionados encontros que estimularam o surgimento de associações, enquanto o Curumim desenvolveu a metodologia para se trabalhar com as parteiras no país. Metodologia registrada em manual.