OS MUTILADOS » 'Passei 25 anos combatendo esse tipo de delito' A dor de quem perdeu um ente querido assassinado tem a mesma intensidade do medo. As famílias temem reviver a violência ou ser alvos. Poucos falam ou mostram os rostos

Publicação: 24/06/2017 03:00

O erro de Eronildo Jerônimo da Silva, 50 anos, foi esperar a casa ficar pronta. É ele quem diz. E não se perdoa por isso. Se o filho ainda estivesse vivo, faria tudo diferente. Levaria o menino para a casa ainda em obras. Quem sabe o adolescente teria escapado de uma morte tão violenta. Eronildo nunca saberá o resultado de uma escolha diferente. Sabe apenas o tamanho da dor de perder o único filho homem. Está mutilado. Ganhou quilos, anda bebendo mais, chorando. Saiu das redes sociais para não ver circular imagens daquele corpo tão familiar atingido por tiros.

Eronildo estava separado da mãe de Deaviles Jerônimo, 17 anos e quase dois metros de altura. Em março do ano passado, começou o inferno da família. A mãe descobriu no quarto do adolescente indícios de uso de drogas. O menino também andava sumido da escola. Começava a chegar de madrugada em casa ou no dia seguinte. Envolvia-se em confusões na rua. As coisas não eram mais como antes. As conversas aconteciam. Deaviles baixava a cabeça e chorava. Nos dias seguintes, as situações voltavam a acontecer.

Em maio, a confirmação das suspeitas. Um vídeo circulou nas redes sociais com imagens de Deaviles praticando um assalto em uma loja no centro do Cabo de Santo Agostinho. E Eronildo, o vigilante, começou a enfrentar um dilema particular. “Passei 25 anos combatendo esse tipo de delito. Fiquei triste. Não conseguia entender. Como trabalhar de segurança? Quando descobri o assalto nas redes sociais, pensei como ia combater um crime se eu tinha uma pessoa fazendo isso, sangue de meu sangue? Não me via mais em condições de trabalhar como segurança. Sempre tive orgulho de ser vigilante, mas perdi o amor pela profissão”.

Pouco antes do filho ser assassinado, Eronildo soube que seria desligado do emprego. Alimentou ainda mais os sonhos de levar o filho para junto dele, na nova casa. “Perto de mim seria melhor. E morar comigo era o sonho dele”, lembra. Não deu tempo. Era dia 28 de julho quando ele recebeu a notícia trágica. O filho fora atingido por tiros. Foi à luz do dia. Na rua movimentada.

Dois dias antes, o menino pediu um dinheiro emprestado ao pai. Garantiu que não era para pagar dívida de drogas. Eronildo já havia negociado uma vez com um traficante. Disse que emprestaria o dinheiro a Deaviles. “Até hoje sinto muita falta dele. Era um bom menino. Eu me culpo muito por não estar com meus filhos diariamente. Faltava a presença do pai. Acho que a separação pode ter afetado muito a vida dele”, reflete Eronildo, despedaçado em culpa, em saudade. Deaviles estava prestes a entrar no Exército, antigo desejo do pai. Entrou para as estatísticas de jovens assassinados em Pernambuco.

Mortes de crianças e adolescentes

199 assassinatos de janeiro a abril de 2017

Em janeiro

44 mortes
Por idade
17 - 22 vítimas
16 - 11 vítimas
15 - 6 vítimas
14 - 2 vítimas
9 -  1 vítima
5 -  1 vítima
2 -  1 vítima

Em fevereiro

53 mortes
Por idade
17 - 17 vítimas
16 - 23 vítimas
15 - 7 vítimas
14 - 2 vítimas
13 - 2 vítimas
12 - 1 vítima
1 -  1 vítima

Em março

50 mortes
Por idade
17 - 23 vítimas
16 - 17 vítimas
15 - 5 vítimas
14 - 2 vítimas
13 - 3 vítimas

Em abril


52 mortes
Por idade
17 - 22 vítimas
16 - 21 vítimas
15 - 5 vítimas
14 - 2 vítimas
4 -  1 vítimas
2 -  1 vítima

Fonte: Funase e deputado estadual Edilson Silva (PSol), que entrou com um pedido de informação para ter acesso aos números