OS SOBREVIVENTES » 'Tire da fraqueza a força' Depois de encararem a morte, adolescentes buscaram alternativas e deixaram histórias de violência para trás

Publicação: 24/06/2017 03:00

O dia está quente. Capaz de provocar suores de molhar a roupa. João chega ao local marcado vestindo calça e camisa sociais. Em uma das mãos, tem uma Bíblia. Aproxima-se do carro da reportagem. Entra. João sorri. Parece alto para sua idade. Mas só tem 16 anos. E um histórico de prática de violência. Foram três semanas até o contato ao vivo acontecer. O encontro durou uma manhã inteira. Há dois anos, João diz ter deixado para trás o uso de drogas, o tráfico e a prática de assaltos. Agora, é membro de uma igreja pentecostal. A decisão de mudar de vida não foi tomada ao acaso. Algo simbólico aconteceu. Um “despertamento”, diz ele.

Era 2015, perto do carnaval, 18h, e o menino, então com 14 anos, preparava-se para assaltar motoristas de carros. Buscava dinheiro para divertir-se com os amigos. Momentos antes, conta, a polícia tinha “pego” o dinheiro do grupo. “A arma era de brinquedo, mas a gente não tinha medo. Pulamos na frente do carro. O rapaz efetuou um disparo no coração de um amigo meu. Na hora ele caiu. Entendi que foi um livramento de Deus.” Depois daquele dia, o menino precisou sair do bairro. Familiares do adolescente morto queriam vingança. Longe de casa, decidiu “aceitar Jesus”.

A inserção do garoto no mundo da criminalidade coincidiu com o assassinato do pai, um homem envolvido com o tráfico de drogas e homicídios. “Depois que perdi meu pai, veio mais raiva ainda. A família dizia que eu não chegaria aos 14 anos”. João roubava carros, motos, cavalos, vendia droga. Usava loló, maconha.

Antes disso, aos nove anos, chegou a frequentar uma igreja evangélica. Mas quando a mãe desistiu de ir ao templo, o menino desistiu junto. “A gente se envolve com coisa errada por conta do vício, da influência, do exemplo que os pais não dão. O jovem viver na presença de Deus é um milagre. E a família não quer saber de Deus. A gente vive numa residência onde de um lado tem a boca, do outro tem alguém cheirando loló”.

João mudou de vida, de vestimentas, de atitude. Quando se aproxima dos antigos colegas, costuma dizer: “tire da fraqueza a força”. “Muitos amigos baixam a cabeça e dizem: ‘tá certo, tá certo’. Não é fácil sair do vício. Digo porque vivi. Minha mãe, tios, primos bebiam, fumavam, não tinham caráter aprovado. Eu via aquilo na presença de Deus e acabei me afastando da igreja. Hoje minha mãe voltou para a presença de Deus”.

O professor Marcelo Pelizzoli entende como importante o papel das religiões no resgate da drogadição. Mas faz um alerta. “Acho válido em vista do abandono do estado e da sociedade burguesa e desagregação familiar vivida hoje. Porém, não é suficiente. Deve unir-se a outras dimensões culturais, sociais, psicossociais e de direitos humanos”, reflete.