Acerto de contas

por Pierre Lucena
pierre.lucena@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 04/08/2018 03:00

Quase ninguém  quer ser professor

Em março de 2013 escrevi um artigo para o finado blog Acerto de Contas, falando do quadro preocupante da educação brasileira e citei o caso do vestibular para licenciaturas da Universidade Federal de Pernambuco daquele ano. A nota média de aprovação nestes cursos era algo completamente vergonhoso, ficando na média entre 3,0 e 4,0.

No campus de Caruaru teve aluno sendo aprovado com nota 2,8 em Física. A nota mais alta tinha sido 4,7. Nem todas as vagas foram preenchidas. Tivemos apenas 23 aprovados, bastando sair do baixíssimo ponto de corte. A licenciatura em Matemática também foi semelhante, com apenas uma nota acima de 5,0 e alguns com média abaixo de 3,0.

Como era o primeiro ano da aplicação das cotas e ainda não era unificado com o Enem, fui saber se isso tinha alguma influência no resultado, quando descobri que na licenciatura de física em Caruaru nenhum cotista havia concorrido. Só pude chegar à conclusão de que vendo a oportunidade de entrar em uma universidade pública e conhecendo a dificuldade da vida de professor de ensino básico, nenhum candidato cotista sequer cogitou a possibilidade de virar professor no futuro. Os que entraram foram justamente os piores alunos das escolas particulares.

A situação é ainda mais vergonhosa quando descobrimos que as licenciaturas haviam sido separadas desde o início dos ciclos básicos profissionais, como da Área 2 (engenharias e ciências exatas), justamente porque a evasão seria imensa em função da reprovação dos alunos de licenciatura. Não precisa ser um gênio para descobrir que com essa nota média de entrada a evasão iria beirar os 100%.

O arranjo institucional para que estes alunos concluam os cursos é o caso típico do rabo balançando o cachorro, onde o raciocínio é claro: vamos deixar o curso mais fácil senão não formamos professores.

Veja que estamos falando da Universidade Federal de Pernambuco. Imagine a situação das muitas autarquias e pequenas faculdades de formação de professores pelo Brasil afora.

Esta semana saiu o relatório Políticas Eficazes para Professores, que é feito a partir de respostas de um questionário aplicado no Pisa, que é o programa internacional de avaliação de educação, onde o Brasil namora vergonhosamente com a parte inferior da tabela desde que o mundo é mundo. Apenas 2,4% dos jovens de 15 anos no Brasil desejam ser professores de ensino básico.

Muitas são as razões para isso acontecer, mas a dificuldade da profissão, onde professores são desrespeitados e ameaçados em salas de aula de escolas (especialmente públicas) e os salários realmente ridículos, tornam a vida de alguém que escolheu ser professor um tormento permanente. Além disso, a mudança digital pela qual passam os alunos mais jovens parece criar nos professores um sentimento de ausência de diálogo na sala de aula. Como este modelo educacional parece esgotado e ainda não apareceu nada que o substitua em escala, a desmotivação agrava ainda mais o quadro.

Mas não pense que isso não pode piorar.

No mesmo relatório, quando retiramos o estrato por desejo profissional, descobrimos que os alunos que desejam ser professores (os 2,4% heróis) têm nota significativamente inferior aos que desejam outras profissões. O primeiro grupo (os que querem ser professores) tem 354 pontos em matemática contra 390 do segundo grupo (os que preferem outras profissões). A diferença em leitura é ainda maior: 382 x 427. Então, além de ser pouca gente que deseja ser professor, ainda é o estrato com maior dificuldade de aprendizado.

Criamos um círculo cruel onde os piores ficarão cada vez piores. É algo parecido com o Princípio da Causação Circular Cumulativa, de Gunnar Myrdal (vencedor do Prêmio em memória de Alfred Nobel), onde as relações estabelecidas de forma desequilibradas tendiam a se tornar cada vez mais desequilibradas. Em outras palavras, como ser professor é uma profissão não atrativa, a tendência é atrair pessoas cada vez piores e assim por diante. Isso vai piorando a educação pública geração após geração, até que uma força externa faça uma intervenção. E isso só pode ser feito através de um sistema adequado de incentivos.

Esta depreciação da carreira docente não é nova. É algo que vem aumentando de maneira lenta e aparentemente irreversível, caso não tenha uma intervenção radical por parte da sociedade brasileira, que acredita que se o menino está uniformizado na escola e com a barriga cheia da merenda, está tudo bem. A verdade é que está tudo mal e não entra sequer na agenda política, já que nenhum dos candidatos à presidência aparenta ter uma proposta minimamente decente para a educação, saindo deste surto de incompetência generalizada que foi instalado com a conivência de todos nós.

O quadro é desolador, pois perdemos a geração passada, esta geração e a próxima geração de professores, seja ela qual for.