Nada será de novo do jeito que já foi um dia Pandemia do coronavírus pode marcar uma virada permanente na forma com a qual enxergamos a vida, marcando uma entrada definitiva no século 21

Anamaria Nascimento
e Mariana Moraes
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Publicação: 01/08/2020 07:30

Mudanças que demorariam décadas tornaram-se realidade apressada por causa da pandemia. Consciência maior em relação ao consumo, difusão do trabalho remoto, realização de eventos virtuais, ensino híbrido. As transformações não devem ficar no passado, quando o problema de saúde pública for superado. Nada será como antes, dizem especialistas. Como será o mundo pós-pandemia? O Diario ouviu filósofos, sociólogos, psicólogos e cientistas políticos para entender os novos cenários.

Doutor em neuropsiquiatria e ciências do comportamento e coordenador do mestrado em psicologia da saúde da Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS), Leopoldo Barbosa afirma que situações adversas têm potencial gerador de mudança. “A pandemia afetou a todos. Muitas pessoas já estão mudando, especialmente aquelas que vivenciaram perdas. Esse momento repercute na valorização de questões que não eram percebidas como importantes antes”, diz.

Festas com grandes aglomerações, visitas em maternidades e comemoração mensal para bebês reunindo a família devem ser costumes repensados. “Há questões culturais fortes, mas já há uma mudança. As cidades já estão sendo pensadas em outros formatos, assim como o transporte público. As vidas privadas também estão passando por transformações. Estamos vivendo transformações que demorariam décadas para acontecer”, pontua Leopoldo.

O chefe do Departamento de Filosofia da UFPE e psicanalista Érico Andrade ressalta que é fundamental pensar as mudanças levando em consideração questões de gênero, classe social e raça. “A forma como você se constitui socialmente gera relações diferentes com este momento. Há uma só pandemia, mas vários mundos. Não há uma unidade no que diz respeito às consequências e aos modos como as pessoas vão vivenciá-la”, afirma.

Para quem vive em vulnerabilidade social e econômica, questões como falta de emprego, morte e sobrevivência serão mais urgentes. “Há pessoas que sempre viveram em emergência, em desfavorecimento. Esse tipo de construção política (de auxílio) deve ser mantida, perene. Não pode acabar”, pontua. Em relação às pessoas que podem fazer trabalho remoto, essa é uma tendência a ser fortalecida. “A comunicação também deve continuar ganhando força no digital, como tem sido neste momento”, enfatiza.

Érico observa ainda que tem surgido uma noção maior de que a existência humana não pode ser dissociada da natureza. “Somos vulneráveis a um vírus, que precisa do corpo humano para ser transmitido. Precisamos ter muito cuidado e atenção quanto à nossa relação com a natureza. Somos a natureza”, diz.

A pandemia é marco histórico, segundo a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz. “O historiador Eric Hobsbawm disse que o século 19 só terminou depois da Primeira Guerra Mundial. Acho que essa nossa pandemia marca o fim do século 20, o século da tecnologia. Tivemos grande desenvolvimento, mas agora a pandemia mostra esses limites”, disse, em entrevista ao portal Universa.